Semana do Meio Ambiente OLMA 2019 – 6 pessoas para conhecer mais- Johanna Döbereiner

Johanna Döbereiner | Mulheres que você deveria conhecer #3

Antes mesmo de pensarmos em aquecimento global, a pesquisadora naturalizada brasileira une teoria e prática, produção agrícola e meio ambiente

Já nos anos 60, quando nossa mente era ainda pouco preenchida por preocupações ambientais, Joahanna Döbereiner, engenheira agrônoma, falava em meio ambiente.

Através de sua pesquisa sobre utilização de bactérias no solo, trouxe ao Brasil competitividade na agricultura e ao mesmo tempo vantagens ambientais em relação às técnicas utilizadas anteriormente.

Muito mais que orgulhosa do avanço econômico que seu trabalho representou na época, a cientista brasileira com maior número de citações internacionais  preocupava-se com a responsabilidade que devemos assumir pela sustentabilidade da produção agrícola. O pontapé inicial dado por Johanna tem se propagado em pesquisas pelo Brasil, e agrônomos acreditam que a ténica iniciada aqui por ela pode ajudar na recuperação de áreas onde o uso do solo foi inadequado.

O começo

A história de Johanna começa em Aussing, antiga Tchecoslováquia, onde nasceu, no ano de 1924. Filha de Paul Kubelka, um químico que seria preso por ajudar judeus a fugirem da perseguição nazista, e de Margarete Kubelka, que faleceu em um campo de concentração tcheco em 1945. A história dessa incrível agrônoma foi marcada pela Segunda Guerra Mundial.

Mas Johanna não viveria aqui por muito tempo

Johanna viveu a infância e adolescência em Praga, onde estudou durante o ensino médio. Com o pai preso até o fim da segunda guerra, a família Kubelka, de origem alemã, passou por momentos difíceis no tempo em que viveu na antiga Tchecoslováquia.

Em 1945, Johanna e seus avós foram expulsos pelos Tchecos e mudaram-se para Munique, Alemanha. Neste mesmo ano sua mãe morreu em um campo de concentração e ela permaneceu na Alemanha até que seu pai a reencontrasse. Lá, trabalhou no campo, mais especificamente com o cultivo de trigo, época que fez florescer seu interesse pela agronomia.

A então futura cientista entrou no curso de agronomia da universidade de Munique, iniciando seus estudos sobre bactérias na fixação assimbiótica de nitrogênio, e em entrevista descreve a Universidade de Munique daquela época como precária: “O diploma de agrônomo não valia muito, já que depois da guerra, em 1945, 1947, os cursos na Alemanha eram muito fracos”.

A universidade nos anos 40

Enquanto isso, seu pai e seu irmão migraram para o Brasil, em 1946. A mudança aconteceu depois de uma tentativa frustrada de irem aos Estados Unidos, que os rejeitaram por acharem que eram alemães.

No mesmo ano que completou a graduação, Johanna se casou com Jürgen Döbereiner, veterinário, e logo em seguida veio morar no Brasil. A família Döbereiner via nessa terra a possibilidade de uma nova vida: “Eu vim com essa decisão – não tinha outra escolha e aceitei o Brasil como minha pátria, como meu país.”

Chegada ao Brasil e produção científica

Em busca de um emprego no Brasil, Johanna entrou em contato com um conhecido da família, Álvaro Barcelos Fagundes, então diretor do Serviço Nacional de Pesquisa Agropecuária. Inexperiente, ela não conhecia o laboratório e não tinha uma especialidade.

Na época o instituto tinha verbas apenas para estrangeiros especialistas, história que a própria Johanna recorda: “Ele que me perguntou: “Você é especialista?” Eu respondi: “Não, sou recém-formada.” Ele disse: “É”, mas nós temos uma verba aqui para contratar especialistas estrangeiros.” Eu, estrangeira, era mesmo recém-formada, mal falava português, não tinha nem três meses de Brasil. Aí, ele falou: “A senhora estude mais um pouquinho e volte daqui a 15 dias.”

E destes quinze dias vieram mais quinze dias, quando finalmente a recém-formada se propôs a trabalhar de graça. O diretor, quem sabe já reconhecendo alguma capacidade especial na jovem, a chamou então para começar no dia seguinte.  Sobre esta época, o marido de Johanna conta que ouviu  “Me lembro muito bem, bem no ínicio, eu nem sabia bem português, uma colega da universidade me falou ‘Sua mulher é formidável’, eu nem sabia a palavra formidável naquela época. Mais tarde vi, de fato é”.

Johanna deve parte de sua carreira e conhecimento ao ano que se seguiu, de intenso aprendizado com o Doutor Fagundes: “Eu não sabia de nada, nunca tinha trabalhado em laboratório, e ele, com uma paciência incrível, me ajudou. Mas foi preciso mais de um ano, talvez, para eu aprender o beabá em microbiologia”. O objetivo do professor era trazer a pesquisa sobre microbiologia do solo, que havia estudado no doutorado nos EUA, para o Brasil.

Após pesquisarem entre um e dois anos, Álvaro Fagundes foi transferido. Johanna permaneceu no SNPA, e foi, segundo ela mesma, praticamente autodidata durante os anos de 1953 a 1960, pois quase não havia ninguém do campo por perto. Neste período, a pesquisadora, já naturalizada brasileira, voltou-se para o estudo de fixação de nitrogênio por bactérias, tema que lhe renderia grande prestígio.

O começo de sua pesquisa foi complicado: “O primeiro trabalho que publiquei provocou uma briga com meu chefe, que discordava de alguns aspectos. Insisti em publicá-lo”.

O trabalho citado por Johanna era inédito e surpreendente, ela havia descoberto a existência de bactérias fixadoras de nitrogênio em solos tropicais, fato que chocou a comunidade científica da época, e foi recebido com ceticismo: “Naquela época o pessoal me gozava, acho que ninguém realmente me levava a sério, porque não existia na literatura qualquer descrição da associação entre bactérias fixadoras do nitrogênio e plantas superiores”.

Surpresa e certa desconfiança vieram junto com a oportunidade de fazer um curso de mestrado nos Estados Unidos, onde Johanna morou entre 1961 e 1963, mas a descrição da engenheira agrônoma de seu orientador da época não é muito entusiasmada: “Apesar de ter grande renome, ele não me ensinou muita coisa. Sempre digo que a única coisa que aprendi com ele foi fazer rolhas de algodão, muito usadas no laboratório. Eu tinha, naquela época, uma mentalidade bastante forte, e fui realizando o trabalho apesar de tudo. Meu orientador viajava muito. Um dia, após uma ausência de quatro meses, ele voltou e a tese estava pronta. Ele ficou possesso, mas se fechou em seu escritório durante dois dias para lê-la. A tese já estava inclusive datilografada… Vi-o na defesa da tese, onde apenas corrigiu três vírgulas, e mais nada.”

E foi assim que a mestre voltou ao Brasil, e continuou abrindo cada vez mais espaço para suas idéias. A tentativa brasileira de exportar soja tornou a questão do uso de adubo com bactérias fixadoras de nitrogênio ainda mais relevante.

O adubo da época era americano, com melhoramento genético e nitrogenado, e este adubo tornava a produção brasileira muito cara, podendo invibializá-la. Porém, a pesquisa de Johanna mostrou-se efetiva economicamente e ecologicamente, já que a adubação proposta por ela era menos nociva ao meio ambiente, não danificando solos e rios.

A parte ecológica de sua pesquisa tinha grande valor para Johanna, que se orgulhava de fazer parte de estudos que tentassem harmonizar agricultura e questões ambientais. Já sobre os méritos econômicos, mesmo reconhecendo sua importância, não almejava riqueza: “Nunca trabalhei para ficar famosa ou milionária”.

Johanna Döbereiner é doutora Honoris Causa pela Universidade da Flórida (1975) e pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1982). Além disso foi membro da Academia de Ciência brasileira e da Pontifícia Academia de Ciências. Possui mais de 350 artigos publicados em revistas brasileiras e internacionais e foi condecorada por vários governos, como brasileiro e alemão.

Faleceu em 5 de outubro de 2000, em Seropédica, mesmo lugar que trabalhou durante muitos anos. Para que se desse continuidade a seus estudos, foi criada em 2002 a Sociedade de Pesquisa Johanna Döbereiner.

Pesquisa, Impacto Econômico e Legado

Depois de introduzida na ciência brasileira, já em seus anos de autodidata, Johanna confrontou-se com a questão: “Por que pastagens nativas permanecem sempre verdes sem que ninguém nunca as adube com fertilizante nitrogenado?”. Indo além: “Como foi possível o cultivo de cana-de-açúcar no Brasil durante vários séculos sem adubação?”.

A união dessas questões com sua ideia de utilizar bactérias fixadoras de nitrogênio na agricultura levaria a grandes descobertas. Em 1953, Johanna publicou o importante artigo Azobacter em solos ácidos, falando sobre as tribos Azobacter de bactérias fixadoras de nitrogênio presentes em zonas tropicais.

Essas bactérias são capazes de um processo que poucos seres vivos conseguem fazer: transformar o nitrogênio presente na atmosfera em outra forma de nitrogênio que pode ser utilizada pelas células. Quando em relação com um vegetal, as bactérias fixadoras utilizam a energia da planta, produzida através da fotossíntese, para fazer essa transformação. Após o processo, liberam nitrogênio fixado, que a planta utiliza para fazer síntese de suas proteínas. Em biologia, esse tipo de relação chama-se uma relação simbiótica entre planta e bactéria, uma relação entre duas espécies diferentes vantajosa para ambas.

Seguindo seus estudos, novos resultados promissores confirmaram as expectativas de Johanna. Em 1955, ela anunciou a descoberta de bactérias no Brasil, da espécie Beijerinckia, fixadoras de nitrogênio de forma assimbiótica em solos ácidos. Tal bactéria já havia sido estudada no exterior, mas a pesquisa era inédita em descobrir bactérias fixadoras de nitrogênio em espécies diferentes, especialmente em gramíneas, como o milho e a cana-de-açúcar.

Em 1958, foi realizado um trabalho pioneiro para fixação de nitrogênio em cana-de-açúcar, com uma bactéria isolada pela equipe de pesquisa liderada por Johanna.

A novidade surpreendeu a comunidade científica, mas é explicada com simplicidade por ela: “Contrariando o saber estabelecido, acharam estranho que no Brasil, uma região de clima tropical, houvesse bactérias fixadoras de nitrogênio habitando as raízes das gramíneas. Mas havia uma razão lógica para o fenômeno. Uma bactéria só cresce, em meio de cultura, a uma temperatura mínima de 25ºC. Melhor sempre é uma temperatura de 30-35ºC. Temperaturas dessa ordem não ocorrem nos solos de regiões temperadas, como Estados Unidos e Europa. Nas regiões tropicais isso seria muito mais provável”.

A bactéria descrita nesse estudo foi chamada de Beijerinckia fluminensis, mostrando a reconhecida opção de Johanna por nomes que lembrassem o Brasil.

O uso das bactérias fixadoras na produção de soja faz do Brasil um grande produtor. Esse processo de adubação é ainda menos nocivo ao meio ambiente, preservando rios e solos. Além disso, estima-se que o Brasil economize um bilhão de dólares por ano por ano com este tipo de adubação, o que possibilitou a entrada do Brasil no mercado internacional da soja, se tornando o segundo maior produtor mundial nos dias de hoje.

Um dos possíveis ingredientes para inovação foi a interdisciplinariedade e interação entre prática e teoria. Johanna trabalhou no campo antes de começar seus estudos, e além disso fez cursos de bioquímica e genética: “Talvez um dos segredos de nosso sucesso tenha sido o de procurar conciliar o pessoal da bioquímica e da genética com os agrônomos, tentando fazer uma ponte entre as disciplinas”.

Premiações e Reconhecimento

Uma forma de reconhecer a revolução na agricultura protagonizada por Johanna é observar a quantidade de prêmios que ela recebeu. Doutora Honris Causa em várias universidades do mundo, ela recebeu, entre outros, os prêmios Bernardo Houssay (OEA, Agricultura, 1972), Unesco (1989), Frederico Menezes Veiga (Embrapa, 1976), Ciência e Tecnlogia do Mexico (1992).

Um marco especial em sua carreira foi a indicação ao Prêmio Nobel da Química em 1997. Quando perguntada sobre a premiação, ela disse que “Há muita política nisso e nem é minha ambição”.

Um recado de Johanna

Em entrevista sobre sua esposa, Jürgen é perguntado sobre a mensagem que essa brilhante pesquisadora deixou. Sua resposta é certeira: “Pensar no futuro, pensar no presente. Cada criação, ela tem consequências, então, se nós tratamos bem a natureza, se nós desenvolvermos bem a agricultura, que ela seja sustentável, isso tem futuro. E nós precisamos do futuro”.

De: https://papodehomem.com.br/johanna-doebereiner-or-mulheres-que-voce-deveria-conhecer-3/