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O direito humano à água e ao saneamento foi reconhecido na Assembleia das Nações Unidas, em 28 de julho de 2010, sendo resultado de intensas mobilizações realizadas por comunidades urbanas e rurais, assim como por organizações e movimentos sociais democráticos.
Estes grupos compreendem que a água, por ser elemento essencial para a vida humana, deve ser garantida pelo Estado e pela sociedade aos cidadãos, principalmente nos tempos contemporâneos, em que as mudanças climáticas, a poluição e a agressão contra as florestas colocam em risco a renovação dos recursos naturais e a manutenção do ecossistema terrestre, tornando mais difícil o abastecimento hídrico das populações.
A intervenção do Estado para garantir o acesso dos cidadãos à água e ao saneamento também é imprescindível no contexto da prevalência da economia neoliberal, em que o mercado é altamente estimulado, podendo transformar em mercadorias os elementos mais básicos para a vida. A absolutização do mercado prejudica as populações mais pobres, uma vez que elas encontram dificuldades em obter através do pagamento até mesmo os bens de primeira necessidade. Visando garantir a possibilidade de acesso destas populações à água, os movimentos democráticos buscam conter o processo de mercantilização se contrapondo aos interesses dos grandes empresários, travando confrontos de diferentes intensidades em diversas partes do mundo.
Em Manaus, no Amazonas, a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário, adotado como política pública, encontrou uma oposição no Bairro Colônia Antônio Aleixo, situado na zona leste, uma das áreas mais populosas da cidade. Ao recusar a atuação da concessionária na gestão da água, o bairro pode ser visto como mais um núcleo de resistência contra a onda privatizadora que avança sobre os recursos naturais e serviços públicos. Neste bairro é possível perceber como a gestão comunitária da água, mesmo sem o apoio do Estado, pode ser adotada, proporcionando autonomia e satisfação aos usuários.
Diante da onda privatizadora, que busca se apropriar dos recursos naturais e dos serviços públicos, a experiência da gestão comunitária do bairro Colônia Antônio Aleixo representa um significativo sinal de que a sociedade civil busca alternativas ao paradigma economicista em curso. Constituído, majoritariamente, por uma população de baixo poder aquisitivo, este bairro resiste à entrada da concessionária no seu território, assumindo a gestão do abastecimento de água. A entrada da empresa no bairro excluiria boa parte da população do acesso a este bem essencial, em virtude dos elevados valores cobrados pela concessionária e da ineficiência do serviço privado, que deixa vários bairros sem água durante semanas inteiras e outras localidades permanentemente desabastecidas.
Ao contrário do que ocorre na cidade e em outros lugares do Brasil, a gestão comunitária do bairro Colônia Antônio Aleixo é contemplada com um bom nível de satisfação dos moradores em relação ao serviço de abastecimento de água. Mesmo enfrentando dificuldades, expressas na limitação de recursos e na prática de rodízios, os moradores costumam defender a gestão comunitária, considerando-a uma conquista histórica do bairro e uma forma de garantir o acesso geral à água potável. Com uma taxa fixa de R$ 35,00 reais mensais, que arca com as despesas relativas ao abastecimento de água, os moradores mantêm um serviço que remonta às origens do bairro, apresentando uma firme oposição à entrega da gestão à concessionária privada que realiza o serviço na cidade.
A gestão comunitária representa para os moradores a valorização da história e da identidade do bairro. Ainda que marcado pelo sofrimento, esta história contém a experiência da mobilização dos moradores que se reuniram em mutirão para construir os serviços coletivos e implantar melhorias. A lembrança de experiências como a instalação do abastecimento comunitário, assim como de outras conquistas coletivas, desperta um sentimento positivo de autoestima nos moradores, inclusive alimentando a expectativa de independência do bairro, visando à formação de um município autônomo. Atrás da expressão “não tem nenhum outro bairro igual ao nosso”, encontra-se o orgulho experimentado pela população de viver em um bairro construído pela própria comunidade, mesmo sem o apoio do Estado, que pouco ou nada tem investido na infraestrutura urbana da localidade.
Estamos diante de um caso em que a organização das populações mais pobres abre uma brecha no sistema econômico vigente, que busca submeter tudo à tirania do dinheiro. A gestão comunitária do bairro busca, apesar dos recursos limitados, priorizar o atendimento da necessidade da população por água potável, mostrando que a cidade é resultado também das experiências criativas vividas pela população no seu cotidiano. A água não é mercadoria! Água é vida!
Texto: Pe. Sandoval Rocha, SJ