Amazonizar as políticas públicas – “Nada de nós sem nós”

Sobre a Amazônia. Sobre seus povos. Sobre as pessoas. Sobre as juventudes. Sobre as crianças. Sobre os movimentos. Nós dizemos “nada sobre nós sem nós”.

Somos gente de fala e esperança, de dança e de encantamento, de corporalidade e de poesia. Somos gente de ancestralidade. Somos vida, resistência, movimento, vivacidade. Estamos aqui para deixar nossa mensagem.

O seminário Vivacidade CAC, desejando promover processos educativos transformadores e participativos em vista do empoderamento de lideranças comunitárias, enquanto agentes de transformação na Amazônia, em sua terceira edição, é expressão das diversidades que compõem nossa rica, imensa e poética Amazônia em convocação para refletir, dialogar, aprender e ensinar sobre Amazonizar políticas públicas. Políticas pensadas por nós, para nós. Políticas humanizadas, contextualizadas e horizontalizadas que considere os povos e suas culturas, que considere nossa sócio-biodiversidade e nossa espiritualidade. Que considere as vidas.

A vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica, em especial dos povos originários e seu direito à ancestralidade, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios. As políticas que sonhamos devem ser baseadas em relações interculturais, onde a diversidade não signifique ameaça e não justifique a hierarquia de um poder sobre outros, mas seja o princípio para o diálogo a partir das visões culturais diferentes, de celebração, de inter relacionamento e de reavivamento da esperança. Ela é o nosso múnus. Nela sustentados armamos nossas tendas:

Tenda da Economia solidária:

Diante do desafio de uma economia que exclui e mata, o Vivacidade CAC é também espaço de troca, de economia solidária, onde nossos solos, cheiros, sabores, cores e fazeres se fazem presentes. Oikonomia da casa comum, que tece redes de relações e de empoderamento para mulheres, comunidades, movimentos.

Tenda da VivaCidade: Direito à cidade na Amazônia:

São graves os sinais dos tempos: a fumaça que se espalha coloca na penumbra a diversidade da vida, a bio-

diversidade. A Fumaça da exploração, da destruição e da desnudação da floresta se espalha, sufoca, adoece, mata. Fumaça de um urbanismo segregador, do escapamento de carros prata, dos canos de armas descarregadas em nossos corpos.

A garantia do Direito à Cidade na Amazônia não será alcançada meramente pela efetivação de políticas públicas: é imprescindível que haja um processo coletivo, em que as cidades amazônicas sejam pensadas para os diferentes grupos que as habitam. Grupos sociais que possuem necessidades diversas devem receber tratamento equitativo, respeitando a diversidade de classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual e geração.

A região metropolitana de Belém foi construída sobre 14 bacias hidrográficas, e essa realidade foi totalmente ignorada no planejamento urbano, seguindo ignorada nos projetos atuais. Essas áreas são muito carentes em serviços públicos, em especial, saneamento ambiental, que não se limita ao esgotamento sanitário, mas também à drenagem urbana, ao manejo dos resíduos sólidos e ao acesso à água potável. A própria relação com a natureza não é respeitada, essas obras limitam o acesso da população aos rios da cidade, não consideram arborização, nem dispõem praças para a população.

O foco desses projetos de cidade é uma mobilidade que não atende as populações locais e mais pobres. É pensada para os carros. As calçadas não são adequadas, não permitem acesso à cadeirantes e outros deficientes e nem atende aos ciclistas, que ficam expostos à falta de segurança no trânsito e de segurança pública. Exigimos uma cidade que garanta os direitos das pessoas e que possibilite a vivência dos espaços públicos por meio do lazer, do esporte e de efetivas políticas públicas pensadas para a realidade amazônica.

Tenda das Juventudes: Juventudes, Resiliência e (In)Segurança Pública:

Ao contemplarmos a beleza e a diversidade dos povos da Amazônia, olhamos com carinho para as juventudes amazônidas desejando que elas possam viver aqui de maneira plena. Clamamos pela erradicação das armas e das drogas, por mais lazer, educação e participação, pois não queremos e nem podemos nos governar pelo medo e pelos estigmas. Reconhecemos que a juventude hoje se tece na diversidade para construir unidade, por isso, pedimos igualdade e respeito às periferias e convocamos as juventudes do gueto para se levantarem contra o extermínio de pretas e pretos.

Convocamos as Juventudes das cidades, dos campos, da beira dos rios e igarapés, para entrarem na ciranda e na marcha pela promoção dos Direitos Humanos e da cidadania que respeite as diversidades e complexidades. Convocamos todas e todos a seguirmos lutando e denunciando o extermínio e construir o presente com tecidos do passado para oferecer justas e humanizadas políticas públicas. Juventude viva é juventude incluída em programas sociais.

Tenda da Infância: “Pelo direito de ser criança na Amazônia”:

Em igual condição e força conclamamos a defesa da infância, pois cuidar da Infância é cuidar da nova e necessária sociedade. Nos comprometemos a exigir que, desde a terra-território, às beiradas dos rios e igarapés, até os canais e becos da periferias seja regada a brincadeira, adubada a escuta e atenção e plantado o protagonismo infantil. Somos convidados e convidadas a fazer da educação não uma cerca ou muro, mas um processo brincante de libertação e autonomia.

Somos convocados a semear educação em outros processos para além da educação formal escolar: Sem-Terrinha, Com-cola Kilombola, República de Emaús, Flor-e-ser Humanidade CAC, Pastoral da Criança e Pedagogia da alternância são sinais concretos de que “ensinar e aprender não pode dar-se fora da boniteza e da brincadeira”. Cuidar da infância significa escutar, silenciar, brincar, cirandar. Os direitos da criança começam pelo direito à infância.

Tenda dos Povos Kilombolas: Pelo direito à Ancestralidade, ao Território e à Consulta Prévia:

Nesse caminho, vamos tomando consciência e fortalecendo a certeza de que o VivaCidade CAC se desenvolve ao redor da vida: a vida das juventudes, das crianças das cidades, dos campos, dos rios e das florestas. A vida dos povos e de seus territórios com suas culturas e espiritualidades.

Defender a vida na Amazônia implica a defesa dos recursos e bens naturais, dos territórios e da cultura dos povos tradicionais. Implica ainda o fortalecimento de sua organização para a plena exigência dos seus direitos e para a certeza de serem ouvidos na manutenção de suas tradições, na proteção de suas terras e na afirmação

de suas identidades, desde o reconhecimento das lideranças femininas, das diversas espiritualidades até o resgate e o reconhecimento do afro catolicismo como um dos aspectos das diversas etnicidades. Nos posicionamos veementemente pela obrigatoriedade do Estado em fazer a consulta prévia em todos os territórios, fortalecendo e resgatando a arte e cultura e valorizando a ancestralidade africana e afrodescendente.

O Estado deve ser o primeiro a testemunhar e valorizar não a história escravocrata, mas a história de luta, de resistência e de afirmação dos povos e seus quilombos, que se constituem como espaço sagrado e como espaço do fortalecimento da ancestralidade, da corporalidade e da profunda relação com a natureza. Somos nesse sentido, convidados a aquilombar nossas lutas, fortalecendo um modelo de desenvolvimento que respeite a ancestralidade e a ralação com a natureza.

Tenda dos Povos Indígenas: Pelo Direito a Demarcação de Terra e à Ancestralidade:

Do mesmo modo nos posicionamos a favor e em comunhão com os povos indígenas que desde a invasão perversa foram massacrados e expulsos de suas terras, sendo negado a eles o direito de existir. O desenvolvimento de políticas públicas desde a colônia sempre considerou estes povos como inferiores, sujeitos à domesticação, dominação e civilização. E desde então, os projetos desenvolvimentistas na Amazônia não consideraram a voz dos povos originários: da Ferrovia Belém-Bragança ao projeto Perna Sul, o famigerado projeto de progresso tem sido conduzido a custo de sangue e morte indígena, ganhando força, inclusive pela participação e posicionamento governamental.

Conclamamos e gritamos em alta voz, uníssona com as vozes internacionais, pela defesa dos povos indígenas e pelo urgente demarcação de suas terras, primeiro passo para o reconhecimento cultural e para a garantia da convivência tranqüila com suas cosmovisões.

Denunciamos o desmonte e a precarização das agências e organismos de acompanhamento e defesa dos povos indígenas sofridas pelo atual projeto governamental e exigimos urgente recuperação de suas autonomias. Denunciamos a prática xenofóbica do governo Bolsonaro em lidar com lideranças, representações e questões indígenas, acirrando o preconceito e fortalecendo a exclusão destes ante a história nacional.

Tenda dos Movimentos Sociais: Soberania, Participação Popular e Controle Social:

Tais desafios nos balançam, mas não arrancam nossas raízes e nem nos tiram a esperança. De pé, fincados ao chão da nossa grande Pacha Mama, resistentes como a grandiosa samaúma, afirmamos que a força que vem de dentro de nós é herança ancestral e fruto da indignação e da mística de tantos e tantas que tombaram na luta pelo Bem Viver na Amazônia. Assim, ancestralidade, indignação e mística nos impulsionarão e nos tornarão capazes de nossa reconstrução. Desde a ferida aberta pela negativa aos nossos nomes, aos nossos costumes, às nossas cosmovisões e aos nossos modos de bem viver, tudo há de ser resgatado.

No contexto amazônico, as utopias, as lutas e marchas desenvolvidas pelos diversos movimentos sociais nos impulsionaram até aqui e nos manterão de pé ante os desafios, pelo caráter revolucionário e pela capacidade de mobilização dos povos para a defesa de nossa soberania.

Entendemos que os Movimentos Sociais e coletivos, enquanto espaço da pluralidade e da escuta têm papel fundamental na articulação e fomentação das lutas no campo e da cidade. São espaços sócio-formativos populares que organizam, propõem, legitimam e acompanham as políticas publicas e isso sem dúvida é revolucionário. Nada causa mais temor do que a organização popular, nada amedronta mais do que um povo que sabe o que quer. Por isso assumimos o compromisso de se organizar em movimento, de defender a organização popular, de fortalecer os espaços de controle social e defender os movimentos e organizações ante o projeto de criminalização explícito e legitimado pelo atual governo.

Sustentamos a organização, asseguramos a marcha e firmamos nosso companheirismo pela soberania dos povos, da Amazônia, do Brasil, pois não queremos nada sobre nós sem nós.

Assinam esta carta:

Centro Alternativo de Cultura – CAC – Belém

Centro MAGIS Amazônia de juventude

Observatório Luciano Mendes de Almeida – OLMA

Núcleo apostólico Belém/Santarém da Preferência Apostólica Amazônia – Jesuítas do Brasil

Aldeia Multiétinica – UIKA KWARA

Brigada Congresso do Povo – PA

CAIC – Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs

Centro Comunitário Dr. Cipriano Santos – Cipriano Santos/Belém

Centro Comunitário Santana do Cafezal – Cafezal/Barcarena/PA

Coletivo Mulheres de Ananindeua em Movimento – Ananindeua/PA

Comitê Dorothy – Belém/PA

Comunidade Kilombola Morada da Paz – Triunfo/RS

Conselho Indigenista Missionário – Belém/PA

Conselho Indigenista Missionário – Marabá/PA

Diocese Anglicana da Amazônia

Frente Popular Povo sem Medo – Belém

Grupo de Carimbó Toró Açu do Kilombo de Abacatal – Ananindeua/PA

Grupo de Mulheres Mãe Preta – Belém/PA

Grupo Direito de Viver de Economia solidária – Nova Canaã/Barcarena

INEAF/UFPA – Belém/Pa

Instituto Popular Paulo Lauande – IPEL – Belém

Irmãs de Notre Dame de Namour – Guamá – Belém/PA

Irmãs Filhas do Amor Divino – Belém/PA

Irmãs Franciscanas de São José de Chamberry – Ananindeua/Pará

Irmãs Franciscanas dos Sagrados Corações – Icoaraci – Belém/PA

Irmãs Missionarias da Imaculada – Belém/PA

Kilombo de Abacatal – Ananindeua/PA

Levante Popular da Juventude – Belém

MAM – Soberania Popular Frente à Mineração – Belém/PA

MOCAMBO – Movimento Afrodescendente do Pará – Belém/PA

Movimento Ame Tucunduba – Belém/PA

Movimento da Juventude Quilombola do Território de Jambuaçu – Jambuaçu/PA

Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – Belém

Movimento dos Pequenos Agricultores de Santo Antonio do Tauá

Movimento Kizomba – Belém/PA

Movimento Mulheres Vamos a Luta – Belém/PA

Movimento República de Emaús – Benguí – Belém/PA

MST – Assentamento Mártires de Abril – Mosqueiro/Belém

PARU/ UFPA – Belém/Pa

Pastoral da Juventude da Região das ilhas – Abaetetuba/PA

Povo indígena Arapyun

Povo indígena Cajuúna – Marajó/PA

Povo indígena Karipuna do Amapá

Povo indígena Tembé – Capitão Poço/PA

Quilombo de Jambuaçu – Moju/PA

Rede de Economia Solidária Feminista – Belém/PA

Rede de jovens +Pará – Belém/PA

REPAM – Rede Eclesial Panamazônica – Marabá/PA

Terreiro de Umbanda Casa de Mãe Herondina – Belém/PA

União Brasileira de Mulheres – Barcarena/PA