Teriam os cristãos chegado ao cúmulo da sua hipocrisia?
Por Élio Gasda*
Papa Francisco, em sua Encíclica Evangelii Gaudium, na seção “O bem comum e a paz social” oferece quatro princípios “para orientar o desenvolvimento da convivência social e a construção de uma comunidade onde as diferenças são harmonizadas em um projeto comum” (EG, 221). O quarto princípio “o todo é superior à parte” (EG, 234-237) é extremamente oportuno para os cristãos no processo eleitoral que se encerra esta semana: “Entre a globalização e a localização se gera uma tensão. É preciso estar alerta à dimensão global para não cair numa mesquinha cotidianidade. Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés por terra. Trabalha-se no que está próximo, mas com uma perspectiva mais ampla”. Muitas notícias apontaram para grandes questões globais com impactos nacionais. Vejamos.
Migração. Na última semana chegaram à Guatemala quase cinco mil imigrantes, a maioria de hondurenhos. Famintos e desesperados romperam a cerca fronteiriça do lado guatemalteco, superaram o cordão policial e cruzaram a ponte sobre o rio Suchiat. Aos gritos de “os imigrantes não são criminosos; somos trabalhadores internacionais! Queremos trabalhar, queremos um futuro melhor”, avançam rumo aos Estados Unidos. Outro grupo, de quase mil hondurenhos, iniciou nessa semana na Guatemala uma travessia a pé até o México. Há muitas crianças e mulheres grávidas. Trump ameaça enviar tropas, não ajuda humanitária! No centro de detenção em McAllen (EUA), o governo mantem crianças latino-americanas separadas dos pais, recolhidas e vigiadas como criminosas. A imigração está tomando grandes proporções e ocorre em condições precárias. O que seu candidato pensa a respeito? O que ele representa? Perigo ou esperança para imigrantes e pobres do nosso continente?
Questão ambiental. O Brasil é o terceiro entre os grandes emissores de gases de efeito estufa. Junto com China e Estados Unidos, ratificou o Acordo de Paris, documento da ONU que visa barrar o aquecimento global. Nos últimos dozes meses, o desmatamento na Amazônia já equivale a uma área 13 vezes o tamanho de Belo Horizonte, segundo dados do Imazon. O desmatamento ilegal arrasou áreas de floresta em sete Terras Indígenas entre Rondônia e Mato Grosso. Em apenas três meses do projeto Amazônia Protege, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou 1.088 ações civis públicas contra o desmatamento ilegal. Muitas são as consequências.
Genocídio! Além de um dos mais importantes redutos de biodiversidade a Amazônia preserva os povos e a cultura indígena. O bebê morto com tiro na cabeça em setembro simboliza o abandono e a crueldade que os índios brasileiros estão submetidos. Em 2017 foram mais de 110 assassinados. Tribos isoladas patrulham seu território na tentativa de combater a exploração ilegal de madeira e as queimadas. Os índios cuidam do meio ambiente melhor do que ninguém.
As mudanças climáticas causaram em 2015 nove milhões de mortes. O aumento da temperatura poderá impactar na proliferação de doenças causadas por mosquitos transmissores da zika, dengue e chikungunya. Mais secas e inundações! São dados do relatório da The Lancet Commission on Pollution & Health assinado pela Global Alliance on Health and Pollution. O que seu candidato pensa a respeito? Representa perigo ou esperança para a preservação do meio ambiente? E aos povos indígenas?
Pobres e sem trabalho. Levantamento da consultoria Tendências, obtido pelo Jornal Valor, mostra que, dos 27 estados, 25 tiveram piora da miséria em 2017. Segundo o IBGE, em dois anos o Brasil ganhou 8,6 milhões de miseráveis. 14 milhões de brasileiros vive com menos de 133 reais por mês. Mais de 40% de crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em situação de pobreza. Há uma relação direta dos altos índices de violência com essas estatísticas. Mais de 70% dos jovens assassinados são pobres e negros de periferia. Enquanto isso, 1% dos brasileiros mais ricos detém 43% da riqueza familiar do país. O desemprego não cede, a extrema pobreza avança, as epidemias se alastram, a mortalidade infantil progride. O que seu candidato pensa a respeito? Tem programa de valorização do salário mínimo? Tem proposta de geração de trabalho e renda e de combate à desigualdade? Ele representa um perigo ou uma esperança para os direitos dos trabalhadores?
As respostas às perguntas são decisivas. Não só apontam para onde caminhará o Brasil, também tiram a máscara de muitos que se dizem cristãos. Mais de 80% dos brasileiros que irão às urnas no próximo domingo professam a fé cristã, entre católicos e evangélicos. Estariam desumanizados? Teriam os cristãos chegado ao cúmulo da sua hipocrisia? “Todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e sangue do Senhor. Portanto, cada um examine a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe a própria condenação” (1Cor 11,27-29).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).