Entre os dias 06 e 07 de agosto, a Terra Indígena Andirá Marau, localizada próxima ao município de Maués (AM), recebeu a Caravana de Direitos Humanos, ação articulada por organizações da sociedade civil, pastorais e entidades de defesa dos direitos humanos, com o objetivo de ouvir as comunidades, registrar denúncias e articular estratégias para o enfrentamento das violações sofridas pelo povo Sateré-Mawé.
O evento reuniu o Tuxaua Geral e lideranças de mais de 20 comunidades, que, ao longo de dois dias, participaram de rodas de conversa, reuniões e visitas a espaços estratégicos do território. Estiveram presentes representantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Diocese de Parintins, Fórum das Águas do Amazonas, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB-AM), Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e Comissão Pastoral da Terra (CPT-AM).
O resultado desse processo foi a elaboração de uma Carta Pública, na qual as lideranças denunciam a ausência histórica do Estado, o descumprimento de direitos constitucionais e exigem medidas concretas para garantir a sobrevivência física, cultural e territorial do povo.
Denúncias e ameaças persistentes
Mesmo com o território demarcado e homologado desde 1986, as invasões continuam sendo uma realidade preocupante. As lideranças relatam a presença de garimpeiros, madeireiros, barcos regatões, narcotráfico, empresas de pesquisa e grupos religiosos que entram na terra indígena sem autorização. Essas incursões ilegais geram insegurança, prejudicam a vida comunitária e ameaçam a preservação da floresta e dos recursos naturais.
Durante um dos momentos da Caravana, o Tuxaua Geral afirmou: “A defesa do território não é apenas sobre a terra, mas sobre a vida do nosso povo e o futuro das próximas gerações. Sem políticas públicas e apoio do Estado, continuamos isolados e vulneráveis. ”
A Barreira Sanitária e de Monitoramento: resistência e proteção
Entre os principais pontos discutidos, destacou-se a situação da Barreira Sanitária e de Monitoramento do Povo Sateré-Mawé, criada em 2020 no início da pandemia de Covid-19 como uma medida de proteção contra o avanço da doença nas comunidades. Instalada estrategicamente em um ponto de acesso à Terra Indígena, a barreira funciona como um posto de controle e acolhimento, onde equipes voluntárias de indígenas verificam quem entra e sai do território e fiscalizam atividades suspeitas.
Com o passar dos anos, a Barreira se transformou em muito mais do que um mecanismo de prevenção sanitária. Hoje, é um espaço de articulação política, vigilância territorial e mobilização comunitária. É ali que lideranças se reúnem para trocar informações sobre possíveis invasões, denunciar atividades ilegais e organizar ações de defesa da terra. Além disso, a barreira atua como ponto de referência para encaminhamentos de saúde, apoio logístico e comunicação.
Apesar de sua importância, o funcionamento da barreira ocorre sem qualquer apoio institucional permanente. Não há financiamento para combustível, alimentação das equipes, equipamentos de segurança, materiais de comunicação ou transporte adequado. Tudo é mantido com recursos próprios, doações pontuais e esforço coletivo.
Uma das lideranças que atua na barreira resumiu a situação: “Mesmo sem sermos reconhecidos como defensores do território, seguimos firmes. Mas sofremos ameaças, intimidações e até tentativas de criminalização. Ainda assim, resistimos porque sabemos que, sem a barreira, nosso território estaria ainda mais exposto”. Outro morador destacou que a barreira, além de proteger contra invasores, serve para educar quem chega sobre a importância da preservação cultural e ambiental: “Aqui explicamos para cada pessoa que entra que esta terra tem dono, tem lei e tem história. Não é só colocar uma placa: é mostrar que estamos atentos. ”
A Carta Pública reivindica que a Base de Monitoramento seja reconhecida e institucionalizada como parte da política pública de proteção territorial. Isso inclui garantir segurança jurídica para os agentes que atuam no local, oferecer formações específicas, fornecer equipamentos e assegurar a presença efetiva de órgãos na fiscalização contínua.
Desafios nas áreas de saúde, educação e juventude
As discussões da Caravana também evidenciaram problemas crônicos no atendimento à saúde indígena. Faltam profissionais capacitados, medicamentos e transporte adequado para remoção de pacientes. Em muitas comunidades, a água para consumo não recebe tratamento adequado, e situações de seca agravam o abastecimento. A ausência de atendimento odontológico e de políticas específicas para prevenção e tratamento de doenças também preocupa.
Na educação, o cenário é igualmente desafiador. As escolas carecem de reformas, materiais didáticos contextualizados e merenda escolar adaptada à realidade local. Professores precisam de formação e graduação, e a oferta de ensino médio e superior ainda é limitada. As lideranças também destacam a importância de criar oportunidades para a juventude, tanto na geração de renda quanto no acesso à formação técnica e profissional.
Fonte: Preferência Apostólica Amazônia (PAAM)