Realizou-se ontem, dia 4 de março, às 19h, no auditório do Centro Cultural de Brasília, da Companhia de Jesus, a primeira edição de 2024 do encontro Diálogos de Justiça e Paz. O evento acontece todas as primeiras segundas-feiras de cada mês e é fruto da colaboração entre a Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP, a Comissão de Justiça e Paz de Brasília- CJP, o Centro Cultural de Brasília – CCB e o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA.
Neste mês em que se celebra o Dia da Mulher, o evento dedicou-se ao tema “Mulheres, espaço de poder, caminhos de justiça e paz”. Participaram do debate três mulheres comprometidas com a causa feminina: Ananda Tostes, juíza trabalhista e coordenadora do capítulo brasileiro do Comitê Pan-Americano de Juízas e Juízes pelos Direitos Sociais e Doutrina Franciscana (COPAJU) e coordenadora do Grupo de Estudos Interseccionais sobre Equidade de Gênero, Raça e Diversidade, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; e Pastora Romi Bencke, teóloga luterana e secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC. O debate contou com a mediação de Ana Paula Inglez Barbalho, advogada e presidente da Comissão de Justiça e Paz de Brasília.
Abrindo o evento, a mediadora Ana Paula apresentou as debatedoras, ressaltando a luta de ambas pela causa feminina. Citou Simone de Beauvoir, que “traz luz ao processo de reconhecimento dos diferentes gêneros, quando diz que ninguém nasce mulher, mas se torna mulher no contexto social”. Lembrou que a ONU identificou mais de 31 identidades de gênero, ou seja, uma determinação que não está relacionada ao sexo biológico.
Em primeiro lugar, manifestou-se a Juíza Ananda Tostes, iniciando com uma referência carinhosa ao Professor José Geraldo de Souza Júnior, presente ao evento, seu professor na Graduação e Pós-Graduação da UnB. Ressaltou os dizeres de um cartaz com que se deparou ao chegar ao Centro Cultural: “Mulheres, Reexistências e Resistências”. Leu trecho de um livro de Maya Angelou, em que ela diz que “toda vez que uma mulher se defende, mesmo sem perceber, ela defende todas as mulheres”. E anunciou que o objetivo das debatedoras do encontro seria justamente atender a esse convite. Apresentou slides contendo estudos e estatísticas sobre a situação das mulheres em diferentes contextos sociais, bem como fotos dos encontros que teve com o Papa Francisco, no Vaticano, ao longo de sua missão no COPAJU e como magistrada do TRT da 10ª Região, além de citações do livro do Pontífice sobre a importância do papel das mulheres na construção de um mundo melhor. Encerrou sua fala com a mensagem de Sua Santidade à Comissão Teológica Internacional: “A Igreja é mulher (…) e essa é uma tarefa que peço a vocês, por favor: desmasculinizem a Igreja!”
Em seguida, a Pastora Romi iniciou sua fala citando a canção “Giraluna” do cantor espanhol Luis Eduardo Aute, que conta a versão feminina de um girassol que decidiu inverter a rotina da sua espécie e passou a se abrir quando a lua aparecia e a dormir quando o sol nascia. Seu desejo era conhecer a lua. Usando essa imagem para simbolizar as mulheres, a debatedora ressaltou que elas estão ocupando lugares, empurrando e abrindo portas, se perguntando por que não podem entrar e conhecer os espaços de decisão, por que não podem participar, falar, enfim, conhecer a lua. Citou, também, o livro “A Guerra não tem Rosto de Mulher”, da escritora ucraniana Svetlana Alexijevich, que mostra que os livros de guerra sempre contam as histórias dos homens, como se as mulheres não estivessem lá. E, no entanto, “elas sempre estão presentes, sofrendo os impactos e consequências das guerras, como acontece agora com as 8.000 mulheres palestinas assassinadas em Gaza por causa de uma guerra de extermínio”. “Essa guerra também tem rosto de mulher”, concluiu. Lembrou, ainda, a ousadia de Maria Madalena ao entrar num recinto de homens para ungir Jesus com óleo puro de nardo, gesto visto por eles como um desperdício, mas enaltecido por Jesus. Ao final, a Pastora Romi lembrou os ataques de misoginia que a ex-Presidenta Dilma Rousseff sofreu e que permanecem impunes e, dessa forma, legitimados. Depois deles, aumentou muito o número de assassinatos de mulheres no país, informou a teóloga.
Encerradas as manifestações das duas debatedoras, a mediadora Ana Paula convidou os presentes a se manifestarem. Elas responderam a questões diversas, tais como a sua visão sobre o papel de Nossa Senhora; sobre como é possível mudar, para fazer justiça às mulheres, uma construção histórica de milênios com a fundamentação divina que lhe foi conferida pela Igreja Católica; e sobre como a espiritualidade pode ajudar as mulheres a transitar nos espaços de poder sem se perderem nesse meio tão denso.
A mediadora encerrou o evento às 21h, convidando a todas e todos para a próxima edição dos Diálogos de Justiça e Paz, a ser realizada na primeira segunda-feira de abril. Tradicionalmente, esse mês é dedicado à causa indígena.