Com músicas amazônicas e muita cultura dos povos da floresta, a SEMEA – 5ª Semana de Estudos Amazônicos iniciou ontem (26), no campus FEI (Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros). Ao todo, mais de 250 pessoas prestigiaram o evento que busca proporcionar reflexão e troca de saberes dentro do universo acadêmico, no intuito de despertar, sobretudo, as comunidades técnicas e científicas para o seu compromisso com o ‘Bem Viver’. Além disso, a SEMEA é um espaço de experiência sociotransformadora com a musicalidade dos maracás, os cheiros, sabores e cores que revelam a identidade e cultura ancestral das populações originárias e tradicionais que habitam a Amazônia.
O evento, que acontece desde 2016 em instituições acadêmicas fora do território amazônico, inclui mesas de debates, palestras, oficinas, rodas de conversa e momentos de espiritualidade com “o desafio de debater e pensar a Amazônia, considerando o carisma da instituição que acolhe a SEMEA, neste caso da FEI, que sedia o evento deste ano”, expôs o Secretário Executivo do Olma, Prof. Dr. Luiz Felipe Lacerda, em sua fala na solenidade de abertura da 5ª edição.
Segundo ele, “dialogar a Amazônia a partir das tecnologias, das engenharias, da robótica, das pesquisas da FEI, foi um desafio, mas que encontrou muitas consonâncias que constituem a programação do evento”. A cada dia, a Semana de Estudos Amazônicos traz uma temática central a ser refletida, entre elas consta o tema da governança territorial e economia circular, tecnologias socioambientais e a pauta sobre direitos da natureza e saberes originários. A Semea acontece até a próxima sexta-feira (29).
Solenidade de Abertura
Participaram da mesa solene: o Presidente da FEI, Pe. Theodoro Peters, S.J; o Reitor da FEI, Prof. Dr. Gustavo Donato; o Provincial dos Jesuítas do Brasil, Pe. Mieczyslaw Smyda, S.J; o Delegado do provincial para a Preferência Apostólica Amazônia – PAAM, Pe. David Romero, S.J; o Secretário do Provincial para a Justiça Socioambiental, o Secretário do Provincial para Juventude e Vocações, Pe. Jean Fábio Santana, S.J; o Pe. Edson Tomé, S.J; o Coordenador do Núcleo Apostólico de São Paulo da Companhia de Jesus, Pe. Edson de Lima, S.J; a Secretária da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Ir. Irene Lopes; a Líder indígena da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno, Marcivana Sateré Mawé.
Na ocasião, o Provincial do Brasil, comentou que a Companhia de Jesus traz um histórico visionário e, nesse sentido, a Amazônia sempre foi um lugar sagrado de missão: “Ser mais Amazônia para nós não é só uma ideia, é um espaço e um olhar teológico que nos ensina a olhar o mundo na perspectiva de que Deus o criou para todos. Nosso espírito é amazonizado por esse compromisso. É necessário resgatarmos os valores dos povos da Amazônia e a itinerância é uma delas”. O provincial relembrou o serviço da Equipe Itinerante e da Equipe Indigenista como um serviço generoso aos povos da floresta e o bem que a Companhia faz no mundo.
Um evento que trata sobre a Amazônia é uma oportunidade também para “manifestar nossa indignação e dor”, diante da destruição do bioma e das relações de desprezos pelo bem comum que é a natureza”, ressaltou Pe. David Romero, S.J, relembrando situações de poluição dos rios e a perda da biodiversidade em grandes proporções com os desmatamentos e queimadas que abalam o ecossistema. Também expressou que “a conexão com a natureza marca o povo amazônida, que defende o bem viver, e essa atitude também precisa ser a nossa. Precisamos nos sentir interligados. Tudo está conectado”, disse ele.
Em sua fala de abertura, o Presidente da FEI, Pe Theodoro Peters, S.J, ressaltou que alimentados pela fé e pela promoção da justiça, a FEI é uma instituição educacional comunitária e, por isso, acredita e se compromete ainda mais com a SEMEA, visando o “respeito às culturas, saberes ancestrais e a regulamentação legal garantidora da paz e progresso social cidadão, como horizontes de ação”, completou.
O Secretário de Justiça Socioambiental dos Jesuítas reforçou a importância do evento quando lembrou das palavras do Papa Francisco, reforçando o apelo que nos faz na ‘Laudato Si’, de renovar o diálogo sobre a maneira de como estamos construindo o futuro do nosso planeta: “Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós”. Em complemento, Pe. Jean comentou, também, que a dinâmica da SEMEA coloca seus participantes em um contexto da própria pedagogia inaciana, que é “o exercício de conhecer para mais amar e servir, uma vez que não conseguimos amar, não conseguimos cuidar daquilo que não conhecemos”. Frisou, ainda, que a SEMEA permite conhecer mais a Amazônia, a sua diversidade em seus povos amazônicos, a riqueza do seu bioma, suas fortalezas e desafios e “conhecer a partir da escuta e da vivência com quem vem de lá”. Nessa dinâmica de conhecimento se faz a experiência de amar com os povos e suas histórias, o que “proporciona a experiência de amazonizar”, pontuou.
Para o Secretário de Juventude e Vocações da Província dos Jesuítas, o urgente desafio de proteger a Casa Comum também inclui a preocupação de potencializar a força que traz as juventudes, inclusive as amazônidas. Esclareceu que a Rede Inaciana de Juventudes se propõe a caminhar com os jovens para um projeto de vida cheio de esperança e reforça que “precisamos seguir apostando em criar espaços de acolhida e escuta dos jovens, respeitando suas demandas e características para transformar os sistemas econômicos que matam e ferem a nossa Casa Comum e nossa gente, mas isso juntos, em comunhão, construindo mundos possíveis a partir de nossos territórios.”
Em histórico, a Companhia de Jesus promove um amplo trabalho na Amazônia e realiza o acompanhamento das populações ribeirinhas, assentadas, indígenas, quilombolas e tantas outras. Nesse sentido, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) tem caminhado junto com seus povos. Em depoimento, Ir. Irene Lopes destacou que a Amazônia é maior do que apenas um território e convoca: “Amazonizar é um verbo que nos leva à ação, a sair do nosso lugar comum em direção ao conhecimento, ao estudo e aprofundamento sobre a Amazônia e consequentemente a amá-la, protegê-la e a defendê-la.”
Marcivana Sateré Mawé em sua fala trouxe uma importante reflexão que desmitifica a imagem de que indígena só é indígena se estiver na aldeia. Reforça que eles estão em todos os lugares. Só em Manaus são 51 povos diferentes. “Somos a cidade de maior população indígena do Brasil”, apontou. Além disso, a coordenadora da Copime também revelou um saber ancestral sobre o patauí, um dos símbolos do povo sateré mawé, que significa mais que um suporte de cuia, significa “a união dos dois mundos”. Ela fez alusão a isso para enfatizar que “tudo está conectado” e a derrota do Marco Temporal foi uma luta coletiva e a SEMEA reforça esse movimento de força para a luta indígena. “Ela é um compromisso, é a discussão de políticas públicas, é de pegar esse conhecimento acadêmico e colocar a favor da vida, é assim que nós sentimos a Semea”, concluiu.
A grande novidade deste ano na realização da Semana de Estudos Amazônicos é que o evento também acontece em diferentes frentes apostólicas da capital paulista, não só no espaço acadêmico da FEI. Essa possibilidade foi vislumbrada, porque o Núcleo Apostólico de São Paulo dos Jesuítas manteve uma articulação junto ao Olma para realizar essa ação conjunta. O Pe. Edison Lima, S.J, novo coordenador do Núcleo, também esteve na mesa de abertura e reforçou o compromisso assumido de “Amazonizar São Paulo”.
Após esse momento solene, todos foram convidados a inaugurar no auditório da FEI a placa simbólica da SEMEA, reforçando o compromisso da instituição com a Amazônia e seus povos.
Governança Territorial e Economia Circular
Unindo o conhecimento acadêmico com projetos sociais na Amazônia, foi realizado no 1º dia da SEMEA o painel sobre Economia Circular para conservação das florestas nativas na região Amazônia legal brasileira. A mediação foi realizada pela Profª Dra. Maria Tereza Saraiva de Souza, Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Administração da FEI e Coordenadora da organização da 5ª SEMEA na instituição.
Como resultado de uma tese doutoral sobre Governança Florestal, Débora Oliveira, discente da FEI, apresentou o seu estudo que perpassa a economia circular e o processo de conservação florestal, envolvendo pesquisa de campo com lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhos, lideranças de órgãos de governo ambiental e outros grupos como os produtores rurais. A pesquisa abordou a perspectiva do que esses grupos tinham a dizer sobre desmatamento e incêndios florestais, pois a pesquisadora gostaria de entender quais os maiores impulsionadores do acometimento da devastação da floresta por esses crimes. O que se constatou na pesquisa é que estão diretamente associados ao desmatamento e incêndios florestais a abertura dos pastos tanto para a pecuária quanto para a agroindústria. Além disso, a ação de garimpo ilegal é outro fator apontado na pesquisa para a ocorrência, principalmente, do desmatamento.
Viviane Plano Motta, outra discente da FEI, também apresentou pesquisa que versava sobre a dependência econômica do município de Parauapebas (PA) gerada pela atividade mineradora.
Além disso, no painel ocorreu a fala de várias mulheres que trabalham com projetos de economia solidária e geração de renda. Entre elas, Vaulente Monteiro, coordenadora do projeto Tecendo Reexistência do Centro Alternativo de Cultura (CAC), em Belém – PA. O projeto atende uma rede de mulheres empobrecidas, em sua maioria negras, em algumas cidades do Pará (Ananindeua, Belém, Colares e Barcarena), no total são 45 beneficiadas diretamente. Artesanato e quintais produtivos são alguns dos empreendimentos acompanhados dentro do projeto. Vaulene reforçou que o objetivo do CAC para esse proejto é “fortalecer os empreendimentos das mulheres da rede” por meio de “processos formativos, acompanhamento e subsídios.”
Audenice do Espírito Santo também esteve no painel e apresentou o curso Guardiões Ribeirinhos que é desenvolvido no Amapá sob sua coordenação. “O que desejamos é formar para a consciência ambiental”, comentou. O projeto trabalha a formação humana para os cuidados com o meio ambiente.
A Irmã Elís Santos, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), falou sobre um território-corpo que foi colonizado. Segundo ela, a sua ancestralidade, seu corpo mura sofreu fortemente com os processos coloniais. Em sua apresentação, ela contou sobre o projeto Economia de Francisco e Clara que recebe esse nome somente no Brasil, embora aconteça em outros países com o nome de Economia de Francisco. Isso porque a ideia era demarcar a representatividade de Clara, que significa dizer que “a economia é feita também pelos corpos femininos”. O projeto incide na Amazônia a partir das juventudes, pois “a gente reconhece a potencialidade e o protagonismo da juventude”. As ações do projeto se contrapõe ao sistema capitalista que “exclui e mata”, comentou a religiosa.
Outros momentos importantes durante o 1º dia da Semea
No primeiro dia da SEMEA aconteceu também, ao final da tarde, uma roda de conversa para que os participantes compartilhassem sobre o que os marcou nas escutas que fizeram durante o dia para refletir outros caminhos possíveis de salvaguardar o território e seus povos. Além disso, aconteceu a missa amazônica organizada pela FEI e uma noite cultural com musicalidade inter-religiosa, intercultural e diversa, além da partilha dos sabores amazônicos como o do fruto do açaí.