Por REPAM | Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM-Brasil
As organizações que compõem a Campanha “A Vida por um Fio” de Autoproteção de Lideranças e Comunidades Ameaçadas divulgaram, na terça-feira (7), nota sobre a tragédia dos Povos Yanomami. No documento, as organizações afirmam que a “obsessão pelo enriquecimento levou, e continua levando, os invasores do território Yanomami à destruição do meio ambiente e da vida humana” e que “o incremento do garimpo ilegal, promovido pelo anterior governo, tem causado doenças, violência e fome nos povos Yanomami”.
A nota destaca a atuação da Igreja no território Yanomami: “a igreja católica nas últimas décadas acompanhou de perto o sofrimento dos indígenas e fez pronunciamentos corajosos em defesa da vida dos irmãos e das irmãs Yanomami. Dom Mário Antônio da Silva, ex-bispo da diocese de Roraima, afirmou sobre o garimpo ilegal que “cresceu com a anuência dos poderes legislativo e executivo, inclusive com projetos de lei tentando validade e reconhecimento”. O ex-bispo denunciou “a omissão e negligência das autoridades… (porque) a proteção dos territórios indígenas é uma obrigação constitucional do governo federal, garantida também por tratados e convenções internacionais”, afirma trecho da nota.
As organizações afirmam que é urgente abandonar o conceito de progresso que confunde o desenvolvimento com crescimento meramente econômico e se comprometem com a “não aprovação de projetos de Lei e outras iniciativas legislativas que preveem a liberação da mineração em terras indígenas”.
NOTA SOBRE A TRAGÉDIA DOS POVOS YANOMAMI
Os povos Yanomami, presentes na região norte do Brasil (estados de Roraima e Amazonas) e na Venezuela, faz séculos resistem à presença e invasão dos colonizadores, nos primeiros momentos, e dos brancos posteriormente. A Terra Indígena Yanomami é rica em biodiversidade e no subsolo. A obsessão pelo enriquecimento levou, e continua levando, os invasores do território Yanomami à destruição do meio ambiente e da vida humana.
Nos últimos anos o incremento do garimpo ilegal, promovido pelo anterior governo, tem causado doenças, violência e fome nos povos Yanomami. Há poucos dias o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima apurem a possível participação de autoridades do governo Jair Bolsonaro na prática, em tese, dos crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas (Pet 9565 e ADPF 709).
O estado de Roraima, nas pessoas do seu governador e deputados, incentivou leis promovendo a atividade garimpeira no território do estado, inclusive nas terras indígenas. Empresários roraimenses promovem campanhas de liberação do garimpo (movimento Garimpo é legal) com grandes festas no centro da cidade de Boa Vista, cidade que tem como símbolo o monumento ao garimpeiro. Neste contexto, é comum ouvir políticos destacados profiram frases racistas e preconceituosas contra os povos indígenas.
A igreja católica nas últimas décadas acompanhou de perto o sofrimento dos indígenas e fez pronunciamentos corajosos em defesa da vida dos irmãos e das irmãs Yanomami. Dom Mário Antônio da Silva, ex-bispo da diocese de Roraima, afirmou sobre o garimpo ilegal que “cresceu com a anuência dos poderes legislativo e executivo, inclusive com projetos de lei tentando validade e reconhecimento”. O ex-bispo denunciou “a omissão e negligência das autoridades… (porque) a proteção dos territórios indígenas é uma obrigação constitucional do governo federal, garantida também por tratados e convenções internacionais” (Carta ao povo de Deus, Boa Vista-RR, 1° de junho de 2021).
No último mês, com a troca no governo federal, algumas ações estão se materializando. O presidente Lula decretou emergência de saúde na área e anunciou algumas medidas, como a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista e o envio de equipes médicas para prestar assistência emergencial, além da instalação de um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE), gerido pela Sesai. Foi criado ainda um Comitê de coordenação nacional para enfrentamento à desassistência sanitária das populações em território Yanomami (ministérios dos Povos Indígenas, da Saúde, da Defesa, da Justiça, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos), que vai discutir as medidas a serem adotadas, apoiar a articulação entre poderes e estados e apresentar um plano de ação em 45 dias.
O presidente mandou cortar o tráfego aéreo e via rio para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Se fizeram presentes em Roraima uma comitiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério dos Povos Indígenas entre outros. Foram ouvidas as associações indígenas Yanomami (Hutukara, Urihi,…) e o Conselho Indígena de Roraima sobre a grave situação dos povos Yanomami. Estiveram presentes também instituições eclesiais e da sociedade civil.
Diante da tragédia dos povos Yanomami, televisada pela visita do presidente eleito a Boa Vista, a sociedade brasileira se mobilizou em uma grande campanha solidária. Embora a arrecadação tem sido providencial, não sempre os alimentos puderam ser entregues por diferentes razões. Os canais de arrecadação mais confiáveis são sempre as associações indígenas porque conhecem muito bem o território e a realidade dos povos Yanomami.
Na luta contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é extremamente importante a saída imediata de todos os garimpeiros presentes, mas não é suficiente. “Os garimpeiros não têm dinheiro para comprar as dragas que estão escavando os rios Uraricoera, Mucajaí e outros. Não têm dinheiro para comprar trator de esteira e derrubar a mata para construir mais um campo de pouso e decolagem na mata” (GENOCIDIO CONTINUADO. PIROTECNIA RECICLADA. Memélia Moreira). É necessário perseguir e responsabilizar os financiadores e os que foram coniventes: políticos, grandes empresários, militares e agentes da Polícia Federal.
É preciso e urgente abandonar “um equivocado conceito de progresso que confunde desenvolvimento com crescimento meramente econômico, multiplicação de riqueza material” (Carta do I Encontro da Igreja Católica da Amazônia Legal, 2013), para abraçar “um novo modo de compreender a abrangência do cuidado com a casa comum, conscientes de que tudo está interligado” (IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, 2022).
Como Campanha A vida por um fio, comprometida na autoproteção de lideranças e comunidades ameaçadas, a partir das ações já iniciadas, iremos sempre exigir:
Brasília, 7 de fevereiro de 2023.