A Semana do Meio Ambiente (01 a 05 de junho) representa uma boa oportunidade para refletirmos sobre a forma como temos tratado a natureza e incentivar uma mudança radical no nosso estilo de vida. Essas atitudes já são temas de grande divulgação em todos os setores da sociedade (acadêmico, político, social, cultural e religioso), no entanto, pouco se tem realizado no mundo da prática, exigindo um maior empenho de todos, sem deixar de demandar especial envolvimento daqueles que são os maiores responsáveis pela crise socioambiental que vivemos no planeta.
Para compreender a crise socioambiental é necessário ter em conta que esta questão não pode ser vista de forma limitada aos territórios nacionais e muito menos reduzida às investigações disciplinares do campo do saber. A crise socioambiental, que atualmente impulsiona a discussão sobre o meio ambiente abrange uma dimensão global, evidenciando a interligação entre todas as regiões, países, ecossistemas e saberes, envolvendo todos os seres humanos e não humanos.
A reflexão sobre o meio ambiente rompe as bolhas ideológicas, políticas e sociais nos abrindo os horizontes e nos levando a expandir a nossa solidariedade para além das nossas comunidades nativas ou nacionalidades. Ela nos convence que somos participantes de uma única e mesma humanidade, sendo necessário agirmos com responsabilidade sobre a natureza. Somos moradores de uma casa comum, que precisa ser cuidada, tendo em vista o bem de todos.
O processo de degradação que estamos infringindo ao planeta (poluição, desmatamento florestal, aquecimento global e redução da biodiversidade) aponta para a necessidade de abolirmos o nosso egoísmo, dispondo-nos ao diálogo com a alteridade e à atitude de aprender com a natureza, que é regulada pelos princípios das redes, dos ciclos, das alianças, da diversidade e do equilíbrio. Enquanto não sairmos do nosso particularismo egocêntrico e não nos colocarmos no lugar do outro buscando compreender a sua verdade continuaremos esse processo de destruição que levará ao nosso próprio fim como humanidade.
Nesse sentido, a degradação do planeta pode muito bem ser atribuída ao antropocentrismo tão marcante em nossa cultura, que dispõe o ser humano como o ser mais importante da natureza, em detrimento das outras espécies de seres vivos que promovem a manutenção de tudo aquilo que nos sustenta enquanto humanidade: água, ar e vida. Tal arrogância não nos permite estabelecer uma relação de respeito e aprendizado com as espécies diferentes, pois essa prepotência humana impõe de antemão uma relação hierárquica de dominação e submissão para com a vida de todos aqueles que não são humanos.
Tais formas de pensar e agir nos impossibilita de enxergar a ligação ou a irmandade que nos liga a todas as espécies, não nos permitem valorizar as dinâmicas que regem os ciclos vitais imprescindíveis para a continuidade da nossa história de humanização. Esta cegueira antropocêntrica nos impede de contemplar a beleza da vida, que se expressa na interdependência vital do meio ambiente da qual somos parte e dependemos.
A ilusão antropocêntrica concebeu o homem como um ser separado da natureza. Essa distância da natureza sustenta uma série de atitudes que levam o humano a buscar o domínio do meio ambiente e usá-lo como meio de satisfação das suas infinitas necessidades. Assim, o meio ambiente não é visto como portador de dignidade e importância próprias, mas meramente como objeto a ser usufruído pelo homem, fornecendo-lhe os recursos necessários para a sua sobrevivência e ostentação.
A crise socioambiental que nos afeta hoje tem diversas origens dentre elas destaca-se o sistema de mercado, que foi impulsionado pela revolução industrial iniciada na Inglaterra (século XVIII), desdobrando-se em grandes transformações tecnológicas, econômicas e culturais. O sistema de mercado levou à consolidação da propriedade privada, como instituição de primeira grandeza no mundo moderno e contemporâneo. Defendendo a abolição da propriedade comum (pública ou social), a propriedade privada constitui o principal inimigo do meio ambiente, pois este é o maior e o mais importante bem comum existente.
Buscando acumular mais riquezas, os grandes empresários e elites que defendem a consagração da propriedade privada não medem esforços para desmoralizar ou desvalorizar os bens comuns, uma vez que estes representam visões de mundo pautadas no compartilhamento de benefícios e incentivam modelos de vida baseados no equilíbrio e na sustentabilidade ambiental. Tais visões de mundo, que preconizam o equilíbrio da vida nas dimensões sociais, culturais e ambientais não interessam aos grandes capitalistas, pois estes equilíbrios os prejudicam, evitando a concentração de riquezas em suas mãos e inspirando a construção de sociedades igualitárias.
Os grandes proprietários e agências financeiras, para acabar com os bens comuns e viabilizar o desenvolvimento do mercado competitivo têm ultimamente incentivado a mercantilização da natureza, realizando mais um poderoso ataque contra o meio ambiente. A apropriação privada da natureza e a sua transformação em produto de compra e venda, acessível somente aos que podem pagar, promoverá uma era de extraordinária exploração em que as populações mais pobres continuarão sendo descartadas e o meio ambiente será controlado pelos poderosos (potências mundiais, empresas transnacionais e banqueiros) que anseiam por produzir lucros às custas da destruição ambiental.
Na aspiração de realizar seus negócios bilionários às custas da destruição do meio ambiente, estes poderosos atores atuam dentro e fora da lei, muitas vezes contando com o apoio de governos aliados para flexibilizar as normas ambientais ou dar cobertura às transações fraudulentas. Como exemplo próximo, podemos resgatar o escandaloso contrabando de madeiras que o investigado é o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sob a suspeita de favorecer madeireiros e dificultar a fiscalização ambiental no Pará.
O projeto de construção do Porto das Lajes na área do Encontro das Águas de Manaus representa outro caso que demonstra a nossa indiferença quantos às questões ambientais, indicando que o mercado foi transformado em uma prática mais importante do que a preservação do meio ambiente. Há evidências de que a construção do Porto das Lajes prejudicará o Encontro das Águas, ocasionando a poluição das águas, a destruição de ecossistemas aquáticos, o assoreamento das margens dos rios e a expulsão de aves que fazem do local espaço de reprodução. Mas o projeto também trará impactos negativos na vida social e cultural, prejudicando a pesca artesanal, o lazer das comunidades do entorno e promovendo a degradação da qualidade de vida das pessoas que vivem no local.
Outro caso de favorecimento do mercado às custas da natureza sem preocupação com o meio ambiente, diz respeito à privatização do abastecimento de água da capital amazonense, efetivada no ano 2000. A partir desta data o mercado tem produzido grandes lucros aos proprietários da concessionária, lançando mão de um bem comum, mas realizando um serviço insatisfatório para a população. Além disso, a empresa costuma lançar esgotos nos igarapés da cidade, danificando os rios e arremetendo contra a saúde pública. Tudo isso com a conivência dos órgãos públicos oficiais que deveriam zelar pelo bem geral da sociedade.
Cuidar do meio ambiente, portanto, significa respeitar os limites da natureza, reconfigurando o nosso estilo de vida e substituindo paradigmas que moldam a nossa sociedade. A manutenção do consumismo como valor dominante na vida cotidiana e uma economia descolada das dinâmicas ecológicas aprofundam a crise socioambiental aumentando os riscos de um colapso geral. É preciso, pois, conceber a realidade como um fenômeno complexo e interligado, valorizando os múltiplos laços que nos vinculam enquanto espécies e constatando que a preservação do meio ambiente é condição imprescindível para a nossa existência.
Por Pe. Sandoval Alves Rocha, SJ