Assim como a grande parte das mulheres, a mulher agricultora assumiu vários papéis no campo. Em geral, durante muito tempo, ela era a única responsável pelos serviços domésticos – com a manutenção da casa e o cuidado das crianças – além de realizar as atividades produtivas para a segurança alimentar da família e das cidades, no cultivo da roça e comercialização dos alimentos excedentes.
As desigualdades de gênero foram muito presentes no meio rural por décadas e décadas. Desde cedo as meninas são ensinadas no campo aos afazeres da casa… Cozinhar, lavar, passar… E, tem mais! Quando casadas, muitas chegavam a se privar até na hora da divisão da comida, deixando partes mais nobres das carnes de aves e bovinos, porque os seus maridos ou filhos julgavam precisar de uma maior quantidade para se alimentar. Assim como também não tinham total liberdade do seu corpo, acreditando-se submissas aos desejos sexuais dos seus parceiros. Ao longo do tempo, foram inúmeras as limitações a que elas foram impostas no berço familiar e nas comunidades rurais.
Já há diversos estudos de pesquisas que tratam da divisão do trabalho pautadas pela questão de gênero na agricultura familiar. Elas permitem concluir que as mulheres do campo ocupam um espaço de subordinação e que seu trabalho, seja no roçado, no comércio e até nos sindicatos, geralmente aparece como ”ajuda”. Sim, ajuda ao seu companheiro! Ainda que trabalhe tanto quanto eles. Na divisão do trabalho, o caráter do “pesado” ou “leve” é relativo e culturalmente determinado por uma sociedade que atribui ao homem o status de responsável pelo provimento da família. Uma cultura que também o elegeu responsável por trabalhos externos enquanto o lugar da mulher seria no âmbito do trabalho de casa. No geral, é imposto uma hierarquia de gênero na qual o machismo e o patriarcado imperam, muitas vezes escondidos numa face paternalista.
A verdade é que a mulher sempre participou do processo produtivo agrícola familiar mesmo invisibilizada, porque quando se fala em agricultura familiar é impossível não associar família e estabelecimento produtivo. O trabalho das mulheres rurais sempre foi essencial na cadeia produtiva. Segundo a Organização das Nações Unidas, a ONU, atualmente, elas são responsáveis por 45% diretamente da produção de alimentos no Brasil e outros países em desenvolvimento. E, na maioria dos casos, têm jornada de trabalho dupla, no campo e em casa. Trabalham cerca de 12h semanais a mais que os homens, mesmo assim apenas 20% delas hoje são proprietárias das terras onde moram.
Historicamente as escrituras de terras ou até contratos de acesso a benefícios de programas de apoio e incentivo à agricultura familiar como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) durante muito tempo estavam concentrados na assinatura de agricultores, os homens. Porém, eram as mulheres, em relação a programas de benefícios, as que mais acompanhavam reuniões de planejamento, participavam de oficinas e formações. No final isso era um complicador porque elas não eram as titulares dos contratos ou terras. De acordo com a ONG Oxfam Brasil, em nosso país, apenas 5% das propriedades rurais estão no nome de mulheres agricultoras.
No Brasil, o movimento agroecológico e de mulheres entendeu a importância dessas agricultoras e buscou fortalecer a agricultura familiar pelo incentivo a ações afirmativas em políticas públicas nesse âmbito. Além de colaborarem para a visibilidade da presença da mulher no cultivo de frutas, hortaliças, grãos, criação de aves e outras produções. Em fóruns de discussão e inúmeras reuniões também propuseram uma participação mínima em cota para as mulheres terem acesso a programas sociais agrícolas como o PAA. Um programa que colabora com o escoamento da produção, com o aumento de renda em casa, com a autonomia econômica das mulheres e com a participação e organização comunitária e política delas em associações de agricultura familiar.
As mulheres rurais estão cada dia mais empoderadas, mais confiantes da sua capacidade de produção e comercialização dos produtos oriundos da agricultura familiar. Além disso, asseguram e garantem uma renda maior para a família pela comercialização desses produtos excedentes ao seu consumo e continuam na luta pela autonomia financeira. Sem falar que as mulheres agricultoras nos últimos anos também crescem coletivamente na entreajuda, no apoio mútuo e com práticas sustentáveis.
No primeiro episódio da série #HistóriasdeNossaTerra vamos conhecer a História de Sileuza Barreto, agricultora familiar e presidente da Associação Flores do Campo, que está localizada no interior do Pará, na cidade de Mojuí dos Campos.
Sileuza concilia o seu trabalho de agricultora com o engajamento na causa de empoderamento de mulheres do meio rural. O tema de hoje é Feminismo e Agroecologia!
Texto: Mayá Schawade e Ana Lúcia Farias
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