NOTA PÚBLICA: Apoio a população quilombola frente a COVID-19

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NOTA PÚBLICA

Apoio a população quilombola frente a COVID-19

De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), existem cadastrados no Brasil 2.847 quilombos. A Rede de Promoção da Justiça Socioambiental (RPJSA), da Província dos Jesuítas do Brasil, acompanha algumas destas populações em suas lutas cotidianas na garantia de seus direitos.

Através destes contatos, temos recebido com preocupação, denúncias sobre a delicada situação dos quilombos no Brasil frente a pandemia de COVID -19 e a total negligência e oportunismo do Poder Executivo, ao calar sobre suas atribuições, ou mesmo, aproveitar-se da atual situação para infringir mais danos a estas populações.

Apenas nos Estados monitorados pela CONAQ, no dia 26 de maio, contabilizavam-se 197 casos e 48 óbitos entre as populações quilombolas, vinculadas à organização. O Governo Federal, por sua vez, não oferece estatística oficial sobre a população quilombola no contexto da COVID-19. Inclusive, uma rápida pesquisa sobre os protocolos oficiais e notas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e demais órgãos governamentais sobre a pandemia, não encontramos qualquer referência ao termo quilombola, deflagrando total invisibilidade e alienação sobre esta parcela da população, por parte do Poder Executivo.

As denúncias deflagram falta de atores públicos de saúde nos territórios tradicionais; ineficácia, em acesso e valores, das linhas de crédito e apoio emergencial federal; aumento das dívidas contraídas por tais comunidades nos programas estatais de fomento à produção primária; profunda subnotificação nos prontuários médicos de casos e mortes de COVID-19 no tocante à categoria raça/cor; ausência total de uma política pública apropriada, específica e emergencial, às comunidades quilombolas no combate à pandemia; e o avanço do aparato governamental opressor sobre os territórios tradicionais.

O cenário estrutural não é novo. Junto com os movimentos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais, temos denunciado esta ofensiva, que se concretiza: – na recente destituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário; – na subserviência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a setores ruralistas; – na legalização da grilagem de terras públicas por meio da PL 2633/2020; – na descaracterização do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, especificamente, com o enfraquecimento das ações para com os quilombolas no Ministério da Cidadania, a destituição das funções da Fundação Cultural Palmares.

Casos simbólicos desse cenário são os recentes ataques da Fundação Palmares à figura de Zumbi, a captura racista dos aparelhos estatais que deveriam auxiliar e proteger as populações negras no Brasil e a recente tentativa de expulsão de 800 famílias no território de Alcântara (MA), ordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, através da Resolução nº 11, afetando, em meio à pandemia, diretamente, 30 comunidades que vivem a mais de três séculos naquela localidade.

Não é à toa que o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2019) revela que o número de conflitos no campo no primeiro ano da gestão Bolsonaro é o maior dos últimos 10 anos, com um total de 1.833 ocorrências registradas, em 2019, apresentando um aumento de 14% em relação ao período anterior.

Frente a isto, a Rede de Promoção de Justiça Socioambiental declara publicamente apoio e comprometimento com a aprovação no senado federal e pela homologação da presidência da República do Projeto de Lei 1142/2020 que apresenta o Plano Emergencial para Povos Indígenas, Quilombolas e comunidades tradicionais, e nos unimos às reinvindicações das Frentes Parlamentares Indígena, Quilombola e Ambientalista, da CONAQ, e da Plataforma Emergencial dos Povos Tradicionais em defesa da vida, exigindo que o Sr. Sérgio Camargo – presidente da Fundação Palmares, o Sr. Geraldo Melo Filho – presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Sra. Tereza Cristina Corrêa – Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Sr. Eduardo Pazuello – Ministro da Saúde, a Sra. Damares Alves – Ministra das mulheres, igualdade racial e direitos humanos, o Sr. Onyx Lorenzoni – Ministro da Cidadania, assim como o Sr. Rodrigo Maia – Presidente da Câmara dos Deputados Federais e demais autoridades públicas responsáveis que:

  • Todos os quilombolas que se encontram na fila de espera do Bolsa Família sejam contemplados imediatamente;

  • O Auxílio Emergencial absorva, como população prioritária, os quilombolas, garantindo acesso viável ao cadastramento das famílias;

  • Seja garantido acesso imediato à água potável nas comunidades quilombolas, com abertura de poços artesianos e construção de cisternas;

  • Todos os quilombolas sejam anistiados das dívidas contraídas pelo PRONAF e recebam, por um ano, isenção dos impostos referentes ao IPTU, energia elétrica e água, quando for o caso;

  • Promovam a extensão do Programa Nacional da Reforma Agrária para todas as comunidades quilombolas tituladas e/ou certificadas;

  • Operacionalizem a recomposição, no INCRA, do orçamento para pagamento de imóveis em territórios quilombolas em processo de regularização fundiária.

  • Efetivem uma política emergencial de abastecimento e segurança alimentar nutricional;

  • Seja expressa, em comunicado oficial aos agentes de saúde, a obrigatoriedade de descrição étnica/cor e raça dos pacientes que acessarem os serviços de saúde;

  • As organizações representantes do movimento negro e dos povos quilombolas sejam incorporadas nos Centros de Operações de Emergência em Saúde Pública e Comitês de crise e combate a pandemia, em níveis estaduais e municipais;

  • Se faça a apreciação e aprovação imediata, pelo Senado, da PL 1142/2020.

É preciso assumir que o racismo estrutural, originado na era colonial, persiste nas relações sociais do Brasil atual, e que é urgente o fortalecimento e a consolidação de políticas públicas específicas para os quilombolas. Esse dever do Estado foi assumido pelo Brasil e reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução nº 68/237 de 2013, onde se proclamou a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024).

A rede de Promoção da Justiça Socioambiental repudia o não cumprimento da Resolução 68/237-2013, o desrespeito aos indicativos da Convenção 169 da OIT e a negação estatal dos direitos assegurados constitucionalmente, à população quilombola no Brasil.

Unimos nossas vozes ao grito destes povos: Vidas Quilombolas importam! Nenhuma vida a menos!

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)

Rede de Promoção de Justiça Socioambiental (RPJSA)

Brasília- DF, 28 de maio de 2020.