Manoel da Silva Huni Kuin apelou para o protagonismo indígena Foto (Cássia Maia/ Dom Total)
Painel sobre políticas públicas na 4ª Semea aponta ataques sofridos por povos originários
Gilmar Pereira
As maiores reivindicações dos povos da Amazônia são por políticas públicas que garantam seu bem-estar e a preservação do bioma amazônico e da sua diversidade cultural. Com foco nesse tema, a 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea) reuniu nomes importantes na defesa e pesquisa de direitos dessa região em um painel nesta quarta-feira (30), na Dom Helder Escola de Direito.
Os convidados do painel Amazônia e políticas públicas foram Marcivana Sateré-Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime); Adriana Camatta, da Dom Helder Escola de Direito; Joaquim Belo, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS); Joaquim Maia, coordenador do Comitê Técnico de Meio Ambiente do Senado Federal; Manoel da Silva Huni Kuin, chefe do Departamento Estadual de Relações Institucionais do Acre. O mediador foi Luiz Felipe Lacerda, do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma).
Veja também:
História do retrocesso
Joaquim Maia fez uma linha do tempo sobre a legislação socioambiental brasileira, pontuando sua ascensão desde a Constituição de 1988. Por meio de dados, mostrou que desde então, até 2010, houve aumento nas unidades de preservação, com redução de desmatamento entre 2004 e 2012, com 77% na Amazônia. Ele ressalta que em meados de 2010, alguns setores econômicos passaram a influenciar bancadas no congresso para fragilizar os mecanismos de proteção ambiental.
Joaquim mostra que a partir de 2011 se assiste ao desmonte da legislação e retrocessos no Executivo, mas que desde o impeachment houve agravamento. Ele reforça que as forças que mitigavam o ímpeto desenvolvimentista das bancadas ruralista, evangélica e da bala e das forças que estas representam perderam poder. Os impactos em um ano foram imensos.
Para o coordenador do Comitê Técnico de Meio Ambiente do Senado Federal, “hoje o direito é direito humano e o meio ambiente só é preservado à medida que serve ao humano como objeto, não como sujeito de direitos”. Ele acredita na necessidade de trazer para Constituição Federal Brasileira a consideração da natureza e meio ambiente como sujeitos de direito, como acontece na constituição de alguns países.
Falta de saneamento
A professora Adriana Camatta tratou do problema da falta de saneamento básico no Brasil. Dando ênfase à Região Norte ela descreve a questão como uma das maiores causas de impacto ambiental negativo no país. Pautada em dados, ela mostra que a região, berço da Amazônia, é a pior do país em coleta e tratamento de esgotos.
Camatta ressalta que a falta de saneamento também impacta na saúde com doenças de veiculação hídrica, como febre tifóide, cólera, hepatite A, amebíase, giardíase, leptospirose e diarreia. Tais doenças chegam a corresponder a 40% das internações hospitalares em crianças menores de 5 anos e a importante causa de mortalidade infantil.
Como resposta possível, a professora destaca a importância do Plano Municipal de Saneamento Básico, que é o instrumento da política pública obrigatória para a contratação ou concessão desse tipo de serviço. Ao final, ela ainda trouxe o caso de Franca, primeiro lugar no Ranking do Saneamento, como exemplo de políticas públicas de saneamento.
Políticas indígenas
Marcivana Sateré-Mawé tratou da necessidade de políticas públicas que considerem a cultura dos povos originários. Ela deu como exemplo os programas de saúde que ignoram sua medicina tradicional. Esses programas devem ser diferenciados quando se trata da população indígena. Ela reconhece que a medicina ocidental é importante em muitas situações, mas adverte que os saberes ancestrais não podem ser deixados. E ainda questiona: “Porque os hospitais permitem ao pastor e ao padre o acompanhamento dos enfermos e não o pajé?”.
Como parte da coordenação do Copime, Marcivana falou das dificuldades dos indígenas em contexto urbano. Um exemplo da complexidade da região pode ser ilustrado no número de línguas faladas só na cidade de Manaus, que são 16. Ela ainda tratou de problemas práticos: “Negros e indígenas vivem na periferia de Manaus e não têm acesso a saneamento”.
Acostumada com discursos que acreditam que o indígena devesse viver como há 500 anos, a líder indígena defende: “O índio pode ser índio também na cidade”. Como símbolo da defesa de seu povo, ela leu a carta que os povos indígenas entregaram ao papa Francisco por ocasião do sínodo e terminou a leitura chorando emocionada.
Manoel da Silva Huni Kuin foi categórico ao tratar do problema das políticas públicas para os povos indígenas. “Para o branco, o importante é o papel. Se é assim, as políticas públicas só vão funcionar quando o próprio índio escrever suas políticas públicas”, disse. Ele enfatiza que hoje as ações não são pensadas desde a realidade indígena e, por isso, conclamou a um maior protagonismo indígena na busca de seus direitos.
Por último, Joaquim Belo atentou para o problema da educação indígena que ou é inexistente ou é precária. Além disso, ele alertou para o problema da identidade que advém da preservação da língua e encontra na escola um grande empasse: “Hoje o português está engolindo as línguas indígenas”.
DomTotal: https://domtotal.com/noticia/1399230/2019/10/indigenas-precisam-de-politicas-publicas-para-sobreviver/