Semea 2019 debate o painel ‘Amazônia: Desafios a partir das perspectivas jurídicas’. Foto (Thiago Ventura/DomTotal)
O meio ambiente é um bem da sociedade brasileira e o governo tem a obrigação constitucional de gerir esse bem da melhor maneira possível
Não só a população da Amazônia, mas todo o país está diante de dias sombrios, com desmonte da legislação ambiental, construída ao longo de anos e que teve seu ponto máximo com a Constituição Federal de 1988. Essa é a opinião do professor de Direito Ambiental e coordenador de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima Jur) da PUC-Rio, Fernando Walcarce, que nesta quarta-feira (30) participou do painel “Amazônia: Desafios a partir das perspectivas jurídicas”, da 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea), na Dom Helder Escola de Direito. O evento acontece até o dia 1º de novembro em diversas instituições ligadas à Companhia de Jesus na região de Belo Horizonte.
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“Penso que o maior desafio é tirar as belas leis que o Brasil construiu do papel e colocá-las em prática. A Constituição já previu, há 30 anos, um modelo de desenvolvimento baseado na proteção do meio ambiente, no dever que o poder público e a sociedade têm de proteger esse patrimônio nacional. Ela ainda prevê o direito à informação ambiental, que é importantíssimo, e a participação popular nos processos decisórios que vão afetar a vida das comunidades internacionais. Mas isso ficou na Carta Magna. Então, nós caminhamos no sentido oposto. Esquecemos isso e agora estamos perdidos. É necessário tornar efetivo o que está na Constituição. Não precisamos de mais nada!”, ressalta.
Fernando Walcarce afirma que não há Constituição no mundo que tenha tratado dessas questões ambientais como fez o diploma brasileiro. Por isso, ele assegura que a sociedade deve se organizar para “tentar tirar essas palavras do nada. Na verdade, elas são nada. Vivemos uma grande crise do Direito Ambiental”.
Segundo o professor, não se pode esquecer que o Brasil hoje é um dos maiores poluidores do mundo, contribuindo para o aquecimento do clima com desmatamentos e queimadas. “Se o Brasil conseguir controlar, de maneira mais efetiva, os desmatamentos e queimadas, passaria imediatamente da posição de um dos maiores contribuintes de gases efeitos estufa para um dos países mais preservados do planeta”, opina.
Ele acredita que entre as dificuldades para se efetivar o que está previsto na Constituição e em outras tantas leis que o Brasil aprovou nos anos 1990 – que criaram, por exemplo, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e a lei de crimes ambientais – está no fato de que existem interesses contrários muito fortes, como os de proprietários rurais, que conseguiram constituir uma bancada muito forte no Congresso Nacional, inclusive com o apoio da bancada da bala, de algumas religiões e do presidente da República.
“É preciso colocar o interesse da coletividade em primeiro lugar. E isso a gente não está vendo. No Congresso, exemplificando, há um projeto de lei, pronto para ser aprovado agora, que simplesmente acaba com o licenciamento ambiental no Brasil. E essa foi uma construção importante do Direito brasileiro”, conclui.
O líder indígena do Pará, Miguel Tembé (Kvvarahý Tembé), explica que são três os princípios do Direito indígena: espiritualidade, natureza e a sociedade. “A natureza cuida da sociedade e esta cuida da natureza. Todos seguem a espiritualidade. Quem foge desses princípios, não se sente comprometido com a natureza e nem com a sociedade, acaba se tornando um inimigo da sociedade. Temos a nossa Constituição milenarmente construída, que sempre fortaleceu e regulou as relações dos nossos povos. Essa é a única Constituição do universo que respeita as pessoas como igual, inclusive os animais, as plantas e os rios.”
Ele comenta que no processo de luta indígena, é preciso avançar na reconquista do espaço político. “Precisamos, urgentemente, retomar o poder de mando na nossa casa. Na nossa Constituição, a espiritualidade é suprema, é ela que regula as leis. Então, a gente obedece a natureza, nós não a domesticamos. Nossos conhecimentos vêm dos nosso ancestrais”, pontua.
Para ele, o princípio da democracia está na racionalidade. “Democracia é querer o bem dos outros como quer para si. A sociedade é consequência da democracia e precisamos que as pessoas entendam o que é democracia.”