Campanha da Fraternidade 2019 critica PEC da Previdência e desmonte do SUS

CNBB pretende estimular a participação social dos católicos na defesa das políticas públicas.

As políticas públicas não apenas estão inseridas na temática da Campanha da Fraternidade 2019, como nortearam o discurso crítico à reforma da Previdência Social e à retirada de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), durante o lançamento nesta quarta-feira (6). A data marca o início da Quaresma – os 40 dias que antecedem a principal celebração do cristianismo: a Páscoa, ressurreição de Jesus Cristo, que é comemorada no domingo e praticada desde o século 4.

Sob o tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pretende estimular a participação dos católicos na defesa das políticas públicas. O texto-base da campanha descreve, entre outros tópicos, sobre o ciclo e etapas de uma política pública e faz a distinção entre as políticas de governo e as políticas de Estado, bem como apresenta os canais de participação social, como os conselhos previstos na Constituição Federal de 1988.

Durante o lançamento, o médico cardiologista e instituidor do observatório de saúde do Distrito Federal, Geniberto Paiva Campos, questionou os impactos negativos da reforma da Previdência proposto pelo governo Michel Temer e o atual de Jair Bolsonaro. Ele indagou se não seria um “retorno ao século 19, a retirada dos direitos”.

Vânia Lúcia Ferreira Leite, representante do Conselho Nacional de Saúde, criticou o sucateamento do SUS, agravado pela Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos, por comprometer o financiamento do sistema. Na mesma linha, Gilberto Vieira dos Santos, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), falou sobre as demandas de políticas públicas para os povos indígenas.

Embora o cardeal Sergio da Rocha, arcebispo de Brasília e presidente da CNBB tenha afirmado que não há um posicionamento oficial da entidade sobre a reforma da Previdência, ele acredita que não se deve penalizar as camadas menos favorecidas da sociedade. “Nesse momento, na elaboração de uma proposta é necessário considerar esses trabalhadores. O povo mais pobre e sofrido que necessita ser assistido e não sacrificado ainda mais”, disse.

Com relação à proposta do governo Bolsonaro em favor da posse de armas, o cardeal disse que a igreja já ressaltou em outras ocasiões que “a construção da paz seja feita por meio da justiça social”.

Também reafirmou a defesa do respeito à vida, à terra e à cultura dos povos indígenas, ao ser questionado sobre o posicionamento da instituição com relação aos indígenas. “Não é porque temos situações novas que vamos deixar de anunciar aquilo que tem sido critério orientador da conferência episcopal”, disse à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez referência ao clamor que a Constituição faz à sociedade para ser fraterna e sem preconceitos em respeito à pessoa humana. “Esta edição da campanha toca em uma dimensão da fraternidade que fala aos gestores públicos, serviços públicos que são postos à nossa disposição”, disse, ao lembrar as políticas públicas para imigrantes e ao enfrentamento às várias formas de corrupção, e crimes como a violência doméstica e o rompimento de barragens, como o da Vale em Brumadinho (MG).

O Papa Francisco, na mensagem publicada no site O São Paulo, chama a atenção para valores de solidariedade, ética e o interesse público acima do privado. “Políticos que anteponham o bem comum aos seus interesses privados, que não se deixem intimidar pelos grandes poderes financeiros e mediáticos, sendo competentes e pacientes face a problemas complexos, sendo abertos a ouvir e a aprender no diálogo democrático, conjugando a busca da justiça com a misericórdia e a reconciliação”, destaca o trecho da mensagem.

Confira abaixo a íntegra da mensagem do Papa Francisco:

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!

Com o início da Quaresma, somos convidados a preparar-nos, através das práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração, para a celebração da vitória do Senhor Jesus sobre o pecado e a morte. Para inspirar, iluminar e integrar tais práticas como componentes de um caminho pessoal e comunitário em direção à Páscoa de Cristo, a Campanha da Fraternidade propõe aos cristãos brasileiros o horizonte das “políticas públicas”.

Muito embora aquilo que se entende por política pública seja primordialmente uma responsabilidade do Estado cuja finalidade é garantir o bem comum dos cidadãos, todas as pessoas e instituições devem se sentir protagonistas das iniciativas e ações que promovam «o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição» (Gaudium et spes, 74).

Cientes disso, os cristãos – inspirados pelo lema desta Campanha da Fraternidade «Serás libertado pelo direito e pela justiça» (Is 1,28) e seguindo o exemplo do divino Mestre que “não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28) – devem buscar uma participação mais ativa na sociedade como forma concreta de amor ao próximo, que permita a construção de uma cultura fraterna baseada no direito e na justiça. De fato, como lembra o Documento de Aparecida, «são os leigos de nosso continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua vocação batismal, os que têm de atuar à maneira de um fermento na massa para construir uma cidade temporal que esteja de acordo com o projeto de Deus» (n. 505).

De modo especial, àqueles que se dedicam formalmente à política – à que os Pontífices, a partir de Pio XII, se referiram como uma «nobre forma de caridade» (cf. Papa Francisco, Mensagem ao Congresso organizado pela CAL-CELAM, 1/XII/2017) – requer-se que vivam «com paixão o seu serviço aos povos, vibrando com as fibras íntimas do seu etos e da sua cultura, solidários com os seus sofrimentos e esperanças; políticos que anteponham o bem comum aos seus interesses privados, que não se deixem intimidar pelos grandes poderes financeiros e mediáticos, sendo competentes e pacientes face a problemas complexos, sendo abertos a ouvir e a aprender no diálogo democrático, conjugando a busca da justiça com a misericórdia e a reconciliação» (ibid.).

Refletindo e rezando as políticas públicas com a graça do Espírito Santo, faço votos, queridos irmãos e irmãs, que o caminho quaresmal deste ano, à luz das propostas da Campanha da Fraternidade, ajude todos os cristãos a terem os olhos e o coração abertos para que possam ver nos irmãos mais necessitados a “carne de Cristo” que espera «ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós» (Bula Misericórdia vultus, 15). Assim a força renovadora e transformadora da Ressurreição poderá alcançar a todos fazendo do Brasil uma nação mais fraterna e justa. E para lhes confirmar nesses propósitos, confiados na intercessão de Nossa Senhora Aparecida, de coração envio a todos e cada um a Bênção Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim.

Vaticano, 11 de fevereiro de 2019.

[Franciscus PP.]

 

 

Edição: Cecília Figueiredo – De: https://www.brasildefato.com.br/2019/03/06/campanha-da-fraternidade-2019-critica-desmonte-do-sus-e-pec-da-previdencia/