“A migração é em primeiro lugar um direito. É a busca por esperança, uma vida melhor, por dignidade, por felicidade”.
Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH
O seminário ‘Fluxos Migratórios’, que aconteceu na quarta-feira e quinta-feira, 08 e 09 de novembro de 2018, na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, acolheu mais de 140 pessoas de diversas nacionalidades, entre elas haitianos, venezuelanos, cubanos e senegaleses. Organizado pelo Centro Pastoral dos Migrantes – CPM, o Fórum dos Direitos Humanos e da Terra – FDHT e parceiros, entre eles o Centro Burnier, o objetivo foi analisar os fluxos migratórios para o Brasil dos últimos anos, frutos de uma crise global, de origem econômica, política, social e ambiental. Nesse sentido, o evento procurou analisar as características e realidades das populações migrantes, o amparo legal e social que o país lhes oferece, considerar os riscos, desafios e oportunidades existentes para, finalmente, determinar compromissos do Estado e da sociedade civil, considerando a conjuntura sócio-política pela qual o país está passando.
O primeiro painel do seminário tratou de ‘Fluxos Migratórios e Perspectivas Globais’, iniciando com a fala da diretora do IMDH, Rosita Milesi. Ela explicou que, para analisá-los, é necessário compreender que estes não são homogêneos, as populações migrantes têm características e realidades diferentes. Existe, por exemplo, uma distinção entre migrantes e refugiados, já que a migração, mesmo que forçada pelas circunstâncias, implica uma certa voluntariedade e a possibilidade de voltar para o país de origem. No caso dos/as refugiados/as, existe uma perseguição e ameaça direta à vida, com provável violação de Direitos Humanos, como no caso de guerras. Essas distinções influem nos aspectos legais e administrativos do país acolhedor. No entanto, ressalta Rosita, é imprescindível entender que migrar é antes de tudo um direito fundamental, originado por uma crise mundial, que implica responsabilidade e compromisso urgente da comunidade internacional. Nesse contexto, no decorrer do ano, os Estados membros da Organização das Nações Unidas – ONU, concordaram com um Pacto Global abrangente para gerenciar melhor a migração internacional, enfrentar seus desafios, fortalecer os direitos dos migrantes e contribuir para o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, no Brasil e em Mato Grosso, dois grandes fluxos migratórios foram considerados sob o aspecto do compromisso humanitário. O haitiano, após o terremoto de 2010 e o venezuelano, considerando a crise social, política e econômica pela qual o país está passando. Esse não é o caso dos migrantes cubanos ou senegaleses, presentes no evento, que declararam estar sendo forçados a fugir de situações de extrema precariedade, na busca por uma vida mais digna. O fato é que, legalmente falando, no Brasil essas questões começaram a ser tratadas de maneira mais específica e adaptada recentemente. Até 2017, o amparo legal era obsoleto, já que se enquadrava no ‘Estatuto de Estrangeiro’ oriundo da ditadura militar. Em novembro do mesmo ano foi aprovada a nova Lei de Migração cuja essência é considerar que migrar é um direito fundamental. Seu eixo central é o reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos com base na proteção da dignidade humana.
No entanto, independentemente do estatuto dos imigrantes, ao chegar no país, estas populações encontram-se em situação de extrema vulnerabilidade, já que muito além de não conhecer o idioma, lugar e cultura locais, desconhecem quase sempre seus direitos. Nesse contexto, além de se encontrar quase sempre em situação de extrema precariedade por falta de trabalho, moradia, acesso à educação e saúde, ficam expostas a todo tipo de exploração, principalmente sexual, do trabalho e o tráfico de pessoas. O trabalho análogo ao de escravo, que já faz milhares de vítimas entre a população brasileira, se aproveitando facilmente da população migrante fragilizada, explicou o presidente da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – Coetrae, Inácio Werner. Nesse contexto, é imprescindível a mobilização e articulação da sociedade civil organizada para o acolhimento solidário das populações migrantes, a conscientização da população brasileira e, principalmente, para cobrar do Estado a implantação de Políticas Públicas de Migração adequadas e transparentes. Essa construção tem que ser feita com a participação e o controle popular, buscando fomentar marcos legais que garantam acolhimento, espaço de refúgio, trabalho, educação, saúde e bem-viver das populações.
Por outro lado, os palestrantes alertaram também sobre o contexto pelo qual o país está passando. A retirada constante dos direitos e o crescimento do fascismo permite prever grandes dificuldades no desenvolvimento e implantação de políticas públicas, além do aumento da vulnerabilidade e intolerância, começando pelas populações migrantes e inclusive migrantes brasileiras (povos indígenas, campesinos, ciganos, sem-terra, etc.). Finalmente, os participantes do Seminário, que além da participação da sociedade civil e de populações migrantes, contou também com a presença de representantes de órgãos públicos (Ministério do Trabalho, a Polícia Federal, a Secretaria de Estado de Segurança Pública, a Secretaria de Estado de Educação, etc.), elaboraram a Carta de Migração de Mato Grosso, cujo objetivo é demandar e orientar a construção de Políticas Públicas adequadas ao redor de quatro eixos principais. O primeiro eixo é o de Políticas Públicas Migratórias adequadas, considerando as questões de acolhimento, saúde, trabalho, educação e moradia. O segundo eixo, de Políticas Públicas Educativas, procura garantir a integração e inclusão na cultura brasileira, começando pela aprendizagem do idioma, mas respeitando sempre a interculturalidade. O terceiro eixo trata de Políticas Públicas de Saúde para todas e todos e o quarto eixo aborda Políticas Públicas de Direitos Humanos, que além de todos os aspectos já citados, precisa considerar relações de gênero, direitos das crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e todos os grupos em situação de vulnerabilidade.