Um gigante amazônico ainda pouco visibilizado

É dia 22 de setembro, 08h e aos poucos as pessoas começam a chegar: quilombolas, ribeirinhos, doutores da universidade federal, indígenas, jovens das periferias, professores da rede municipal de ensino, freiras, padres; a sala fica repleta de uma diversidade tão potente em forma e volume que, acredito, surpreenderia os olhos de qualquer observador.

Com uma centena de pessoas chegadas de todos os recantos a Equipe do Centro Alternativo de Cultura (CAC) dá as boas-vindas ao II Seminário Viva Cidade CAC – Amazônia de Todos os Povos com uma belíssima mística do fogo sagrado; estamos em Belém do Pará.

Após a abertura se inicia uma mesa redonda de completude raramente vista nos seminários aí a fora. Compartilham conosco de suas histórias uma indígena, uma quilombola, uma parteira, uma benzedeira, um ribeirinho que vive em uma Reserva Extrativista (Resex) e uma religiosa, freira que há muitos anos vive na Amazônia. Ao longo de toda a manhã, escutando tais depoimentos, a emoção tomou conta da plateia que assistia atentamente.

O encerramento matinal, o almoço servido pela Economia Solidária e a tarde que seguiu com oficinas de educação popular, políticas públicas, arte e movimento; e espiritualidade amazônica foram impulsionadas com muita música, mística e canto pela equipe de animação. Aprendemos rápido um dos grandes lemas do CAC: Brincar é urgente, brincar é resistência!

À noite, mediados pelo SARES, foi a vez do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), a Cáritas Regional e professores da Universidade Federal do Pará nos auxiliarem a compreender com profundidade o processo e a situação dos refugiados na Amazônia. Ao final, muito mais música, arte e a cumplicidade da ciranda que proclama “Tudo está interligado”.

No domingo pela manhã o OLMA foi convidado a mediar e articular uma mesa que trouxe à tona perspectivas de ação e resistência: Aprendemos com o Dr. Jonny do MPR a importância da consulta prévia, livre e esclarecida frente as crescentes investigas de megaprojetos em territórios tradicionais no Pará; com a Professora Elian a importância da participação popular nos espaços, conselhos e comitês municipais e regionais para exercer o controle social e garantir democracia e direitos e por fim, com Yashodham, do Kilombo Morada da Paz, sobre as estratégias de sustentação dos sujeitos nesses tempos sombrios, a espiritualidade e a ancestralidade.

Enquanto os adultos debatiam e brincavam no salão do segundo andar, as crianças debatiam e brincavam com os educadores no térreo. Em um dos intervalos perguntei à um menino de 9 anos que desenhava: “Como você vê o CAC?” Rapidamente e, acho eu- recordando seus desenhos animados preferidos com os olhos voltados para cima como quem busca alguma imagem na cabeça, ele responde: “O CAC é como um gigante, têm várias partes, é bem grandão e consegue olhar todo mundo lá de cima. ” Então perguntei: “E ele é forte? ” O menino respondeu: “Ele é forte sim, mas ele não é bravo, ele é bem carinho. ” Fiquei de boca aberta. Agradeci e resolvi voltar lá para cima.

Ao longo do seminário tudo chama muito atenção, a qualidade técnica dos debates, as emoções que tomam conta do corpo e fazem o coração palitar a cada depoimento, a capacidade de rede e possibilidade de convergência de tanta gente em um só lugar. O cortejo se encerrou com uma belíssima apresentação de carimbo, ao melhor estilo paraense, por crianças de comunidades onde o Centro atua.

Tudo isso, promovido, articulado e organizado pelo Centro Alternativo de Cultura (CAC). O CAC existe há 27 anos e além de ser entidade de referência para articulação e formação de todos estes povos e diversos movimentos sociais, atende 300 crianças em 9 comunidades periféricas de Belém. Em pelo menos a metade destes casos o centro jesuíta é a única instituição de apoio às famílias vulneráveis que aí vivem. Apesar de contar com uma equipe permanente de apenas três colaboradores, para realizar tudo isso o CAC conta com uma rede de mais de 70 voluntários que, como eles mesmos dizem: “Vieram, conheceram o CAC, encantaram-se e nunca mais saíram. ”

Centro Alternativo de Cultura – CAC (PA)

 

Muitos de nós, de nossos centros, de nossas equipes, de nossas obras, dentro e fora da Rede de Promoção de Justiça Socioambiental, conhecem pouco o CAC; apesar de algumas percepções generalistas e distantes, poucos ainda são aqueles que foram até lá e escutaram da boca do povo o gigantismo, a importância, a potência que realmente o Centro Alternativo de Cultura da Província dos Jesuitas do Brasil é para essas pessoas e para toda a região. Poucos viram com os próprios olhos a “boniteza” desse trabalho.

Mas isto tende a mudar! Impulsionado e escutando o clamor de toda essa rede de instituições e porta vozes de populações tradicionais e periféricas que cotidianamente circulam na órbita do CAC, ao final do Seminário VivaCidade Amazônia de Todos os Povos a equipe do Centro fez o lançamento da Escola Popular Socioambiental que iniciará suas atividades em 2019.

A Escola Popular de Educação Socioambiental responde a uma urgente demanda de educação socioambiental para a preservação da VIDA em nossa “aldeia-mundo”, a Amazônia, que muito embora seja território milenar da nossa rica sociobiodiversidade, encontra-se ameaçada por diversas instâncias e projetos que degradam sua integridade, com repercussão notória sobre a vida e a sobrevivência de todos nós. Novas e multireferenciadas metodologias de intervenção socioambiental nesta realidade são necessárias para uma efetiva e urgente contribuição na formação e no empoderamento de suas populações, de forma a desencadear eco consciência, corresponsabilidade, integração, e cuidado, em vista da justiça socioambiental, da garantia dos direitos humanos, da cultura de paz, da ecologia integral e do Bem Viver. (CAC, Equipe de Projetos).

A Escola Popular Socioambiental busca, portanto, promover processos educativos humanizadores, transformadores e participativos em vista do empoderamento das lideranças comunitárias, através de formação transdisciplinar em oficinas temáticas que abrangem as dimensões Visão de Mundo- Indenitária, Cultural e Cósmica, Social, Econômica, Política, Ecológica e Espiritual, orientando e acompanhando, assim, a construção e a execução de projetos comunitários de intervenção socioambiental, elaborados pelos participantes.

Além disto, a Escola Popular Socioambiental será território fértil para a integração e a cooperação com diferentes centros e obras da Rede de Promoção da Justiça Socioambiental espalhados em todo o Brasil, visto que se almeja a colaboração destes em diferentes módulos temáticos estruturados ao longo da formação. Possibilidade que todos teremos de ver e conhecer mais de perto esse “gigante carinhoso e brincante. ”

Nestes tempos em que defendemos a ecologia integral, dentro de uma perspectiva socioambiental do cuidado da casa comum que não dissocia ambiental e social, nestes tempos de Sínodo para Amazônia, de REAPM e de Preferência Apostólica pela Amazônia o lançamento da Escola Popular de Justiça Socioambiental é algo profético, pioneiro e esperançoso. O Centro Alternativo de Cultura e a Província dos Jesuítas do Brasil, uma vez mais, estão de parabéns.

Abraços,

  • Secretaria executiva do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA

  • Equipe do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – SARES

 

Belém- PA, 23 de setembro de 2018.