“Hoje eu, muito longe de casa, abraço outra cultura. Vivo, me movimento, como, bebo: Tudo é diferente. Amanhã você pode abraçar outra cultura, por decisão própria ou por falta de escolha. Então você irá viver, se movimentar, comer, beber: Tudo vai ser diferente. Somos todos estrangeiros. Hoje eu, ontem outro, amanhã você, talvez: Cidadãos deste mundo”, este poema de Sandra Santos, brasileira que vive na Alemanha, lembra a história de Myria Tokmaji que vive no Brasil desde 2013. Ela diz que quando começou a guerra em seu país, a Síria, procurou refúgio em diversos países, todos negaram. Depois de viver sob a tensão da guerra por dois anos enviou a documentação ao Brasil, em duas semanas recebeu o comunicado de que a solicitação fora aceita e que ela poderia partir. Myria ressalta que o Brasil acolhe os refugiados, contudo não facilita a documentação para que possam viver e trabalhar.A jovem Myria foi umas das participantes do Seminário Internacional sobre Migrações e Refúgio, com o tema: “Caminhos para a cultura do encontro”, promovido pela Cáritas Brasileira, realizado entre os dias 12 a 14 de junho de 2018, em Brasília (DF). “É uma honra estar com vocês e falar, colocar mais luz às coisas que precisam ser reveladas sobre as dificuldades que todos os refugiados passam desde a saída de seus países até recomeçar uma nova vida no Brasil e tentar integrar à nova sociedade”, revela Myria.
Participaram do Seminário migrantes e refugiados que vivem no Brasil, representando cerca 50 países, o arcebispo de Manila, Filipinas, e presidente da Cáritas Internacional, cardeal Luis Antonio Tagle, agentes Cáritas, Igrejas Cristãs, denominações religiosas, agentes de pastoral, agências de cooperação e governos, no total de 200 pessoas.
Foram parceiros na promoção do Seminário: Setor Pastoral da Mobilidade Humana da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (SMH-CNBB), o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), o Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), o Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM) e a Missão Paz.
A proposta do Seminário foi escutar e partilhar a vida com migrantes e refugiados, refletir sobre o fenômeno dos fluxos migratórios: refúgio, hospitalidade, integração, questões jurídicas e experiências em projetos de redes das organizações das Igrejas Cristãs e denominações religiosas, sociedade civil e governo que trabalham com a realidade migratória no Brasil, na perspectiva global e local. O Seminário também se propôs a mobilizar as forças existentes na direção do que o papa Francisco sugere como ações necessárias na garantia dos direitos e da dignidade das pessoas em situação de migração e refúgio: acolher, proteger, promover e integrar.
Redes de apoio
“Estamos cientes de que não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz numa casa segura. Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente”, disse o papa Francisco na Mensagem para a Celebração do 51º Dia Mundial da Paz.
Para o arcebispo da arquidiocese de Aracaju e presidente da Cáritas Brasileira, dom João José da Costa, o Seminário foi um “momento importantíssimo para que convoquemos a sociedade brasileira, mas também internacional para que olhemos para essa realidade gravíssima que atravessa tantos irmãos e irmãs refugiados e imigrantes que vivem momentos dolorosos. E nossa Cáritas Brasileira, muito sensível a esta realidade quer trazer para o centro de nossas atenções, essa discussão”, afirma. Dom João enfatiza que acolher é sempre uma ação muito própria da vida cristã. “Vamos nos somar! Cada vez mais nos comprometendo com Jesus presente na pessoa de cada irmão que precisa de nosso apoio, do nosso aconchego, da nossa presença. Manifestemos esse nosso amor para com todos, não podemos cair na indiferença. É preciso que nos aproximemos de cada um, expressando o amor misericordioso de Deus que acolhe a todos”, convoca o arcebispo.
A assessora nacional da Cáritas Brasileira, Cristina dos Anjos, contextualiza a ocasião em que o Seminário se realizou: “Toda sociedade brasileira acompanha a crise humanitária na Venezuela e os impactos da mesma nas pessoas venezuelanas que aqui chegam. Nesse sentido, estamos em um momento que é importantíssimo reunir todas as forças sociais e políticas para dialogar sobre as experiências e desafios do Brasil no acolhimento às pessoas migrantes e refugiadas, e ao mesmo tempo, animar, mobilizar a sociedade brasileira para abrir portas e corações para as pessoas que aqui chegam em busca de oportunidades para reconstruírem suas vidas”, salienta .
Para a diretora do IMDH, Irmã Rosita Milesi, o Seminário Internacional de Migrações e Refúgio “foi uma oportunidade para em conjunto com tantas outras entidades, refletir nossa missão, aprofundar a temática da mobilidade humana, traçar e assumir com novo ardor e em conjunto, ações de acolhida e integração, bem como ser voz de denúncia profética em relação às omissões ou lacunas que não podem ser ignoradas”.
Irmã Marlene Wildner, diretora do CSEM, também lembra que o Seminário se insere no âmbito da Campanha Compartilhe a Viagem – em que a Cáritas Internacional após olhar às principais feridas da humanidade hoje, escolheu a temática dos imigrantes e refugiados – “O Seminário Internacional foi uma oportunidade para criar consciência sobre o fenômeno, convidar e despertar o povo brasileiro para a acolhida e solidariedade e, um espaço de reflexão e escuta da situação dos migrantes e refugiados”, ressalta Marlene. Segundo a diretora, o CSEM acredita que o Seminário foi uma oportunidade para propor à sociedade brasileira, em particular, formas e alternativas positivas que ajudam a aperfeiçoar os recursos que os migrantes e refugiados trazem para o desenvolvimento e o crescimento do Brasil superando atitudes de xenofobia e descriminação em relação aos migrantes e refugiados.
O presidente da Associação da Comunidade Ganesa de Criciúma (SC), Salihu Larry, que chegou em 2013 de Gana ao Brasil, destaca o Seminário como um lugar estratégico para a articulação entre as pessoas. “Esse Seminário foi muito importante porque deu uma bela oportunidade para interagimos e aprofundarmos nossas compreensões sobre migração internacional e os desafios de viver em um país fora de casa”.
Fenômeno das migrações
Como fenômeno, a migração internacional sempre foi uma realidade na história da humanidade. Na perspectiva socioeconômica, no Brasil podemos destacar a migração forçada dos milhares de negros e negras trazidas da África para o trabalho escravo no contexto da colonização, no século 16, e o período da imigração europeia, entre 1880 e 1930, que trouxe ao Brasil mais de 5 milhões de europeus. Na perspectiva bíblico-teológica temos a própria Família de Nazaré. O evangelista são Mateus narra que, pouco tempo depois do nascimento de Jesus, José foi obrigado a partir de noite para o Egito levando consigo o menino e sua mãe, para fugir da perseguição do rei Herodes (cf. Mt 2, 13-15).
Em números atuais, de acordo com a Organização das Nações Unidas, 244 milhões de pessoas em todo o mundo vivem como migrantes internacionais, deste total 22.5 milhões são refugiados, o que representa cerca de 8% do contingente de todos os migrantes internacionais. “Os refugiados são pessoas que fogem do próprio país por causa de perseguição ou grave e generalizada violação de direitos humanos. Não são terroristas, mas vítimas de terrorismo. Não são criminosos, mas vítimas de ações criminosas. São amparados por instrumentos internacionais de proteção que garantem direitos fundamentais, entre os quais a não devolução (non refoulement) ao país de origem”, explicam os pesquisadores do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), Tuíla Botega e Roberto Marinucci, no recente estudo A mobilidade humana nos países com presença de Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeu – Scalabrinianas.
Outros números apresentados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no relatório Tendências Globais (2016) nos dão, em certa medida, o tamanho do desafio que precisa ser enfrentado por governos e sociedades locais com relação à questão migratória em todo o mundo. Para cada grupo de 113 pessoas no planeta uma é solicitante de refúgio e quatro são migrantes internacionais ou deslocados internos. 173 milhões de refugiados se deslocam por causa de guerras e conflitos, o número já supera, por exemplo, os deslocamentos provocados no contexto da 2ª Guerra Mundial. Diante do número total de migrantes no mundo 13% são latino-americanos.