Recente pesquisa do instituto Ipsos mostra os principais pilares do regime democrático duramente rejeitados no Brasil. Realizada nos meses de julho e agosto, a pesquisa revela insatisfação nacional com as principais lideranças tanto do Executivo quanto do Legislativo, do Judiciário e Ministério Público. O elevado grau de descontentamento da população é reflexo da crise institucional que desagua na vulnerabilidade da própria sociedade brasileira e torna incerto o futuro do país.
“O quadro é desolador”, apontou o jurista e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, em palestra no seminário Diálogos em Construção sobre o tema “crise institucional: dilemas e saídas”, realizado no Centro Cultural de Brasília, dia 26 de agosto. Na visão de Aragão, a crise de hoje é decorrência de “um dever de casa mal feito” na época da transição entre o regime militar e a democracia. “Faltou fazer uma crítica honesta ao regime militar. Optou-se por colocar tudo embaixo do tapete. O Brasil deveria ter modificado completamente as estruturas de segurança pública e a doutrina militar. Deveria ter questionado a centralidade do poder judiciário, que não é um judiciário democrático. Àquela época (1988) a fragilidade do regime civil era muito grande e as pessoas preferiram não enfrentar isso”, disse Aragão.
Para ele, após a ditadura, seria necessário reformar as instituições. Ao invés disso, os operadores da política preferiram “abraçar com carinho” o corporativismo. Dessa forma, segundo ele, a Constituição de 1988 passou a ser uma “carta a Papai Noel, cheia de desejos a serem atendidos”. O resultado é visto hoje, com a retomada do discurso usado em 1964, período em que se iniciou a ditadura militar no Brasil. “Esse discurso aflora novamente com todo o ímpeto e sem nenhum tipo de remorso”.
Promovido pelo Observatório de Justiça Socioambiental Dom Luciano Mendes de Almeida (OLMA), o evento contou também com a conferência de Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Queiroz chamou atenção para o fato de que a crise não ocorre apenas no Brasil, mas também em democracias consolidadas. Segundo ele, há no mundo um movimento de desqualificação da política, das instituições e dos agentes públicos. “Isto é trágico para o futuro da humanidade”, disse.
Para Queiroz, é preciso compreender os interesses por trás de um movimento que chamou de “regressista” e que representará “um enorme retrocesso civilizatório”. No Brasil, essa compreensão se torna ainda mais necessária, uma vez que o povo ainda depende muito da proteção do Estado.
“A forma de fazê-lo [o movimento] é sofisticada. Emprega-se uma estratégia de comunicação que consiste em associar movimentos, partidos ou instituições que defendem os interesses coletivos, a solidariedade, a justiça, o humanismo e a proteção dos mais necessitados com práticas que agridem a fé, os valores, os costumes e a moral de milhões de brasileiros”, diz, ao citar o fenômeno que os estudiosos chamam de “pós-verdade”, em que aquilo antes entendido como correto é apontado como errado e vice-versa.
Ao analisar a relação entre os três poderes da república, Queiroz afirmou que, ao contrário do que se diz, na atual gestão os três poderes agem de forma harmonizada para implantar uma agenda neoliberal em que o poder econômico se sobrepõe aos interesses nacionais. “A posse e efetivação de Michel Temer [como presidente, na ocasião do impeachment da presidente Dilma Rousseff] – ao contrário do que o senso comum imagina, influenciado por notícias sobre divergências pontuais entre autoridades dos três poderes e órgãos de controle – resultou num arranjo em que os poderes cooperam e até dividem tarefas e atribuições na implementação da agenda do novo governo”, disse.
Ao Executivo competiria fazer a coordenação geral e cuidar, especialmente, do aspecto fiscal. Ao Legislativo competiria contribuir para a melhoria do ambiente de negócio, suprimindo ou flexibilizando direitos, revendo marcos regulatórios na economia e abrindo a economia ao capital privado nacional e estrangeiro. No caso do Judiciário, a missão seria respaldar a missão dos outros poderes.
O desalento dos dois palestrantes, no entanto, não impediu que ambos apontassem caminhos, embora concordem que o futuro do Brasil é totalmente incógnito no momento.
Eles concordam que a saída começa por uma reforma política verdadeira, que corrija distorções como coalizão entre partidos cujos programas e as ideologias são incompatíveis. “Quando se faz programa político para ganhar eleição e não para governar está errado. Isso é enganar o povo”, aponta Queiroz.
Aragão sugere que movimentos sociais e agentes políticos devem voltar aos bairros, às pequenas comunidades, oferecer serviços e chamar atenção para se resgatar o sentido de cidadania. “É preciso voltar às bases. A base merece um mea-culpa por tudo o que tem acontecido no mundo da política nos últimos anos. A base precisa se reanimar e se tornar protagonista novamente”.
Alerta, no entanto, que esse movimento deve ser feito de maneira diferente do que aconteceu nos governos Lula e Dilma que, no seu entender, acabaram por se submeter aos interesses das alianças em detrimento do projeto de país apresentado anteriormente.
“A diferença que se pode fazer hoje é não enganar ninguém”, insistiu Aragão.
Confira os vídeos do evento: