Estreitar a lacuna entre a realidade brasileira e a lei é o grande desafio para implantar, até o ano de 2019, a reforma do ensino médio. Esta é a conclusão de especialistas que participaram do Seminário Diálogos em Construção, com tema “Ensino Médio para quê? ”, promovido pelo Observatório Socioambiental Luciano Mendes de Almeida, neste sábado (20).
“Existem algumas questões importantes que deverão ser sanadas para que o país não veja reduzidos os índices de frequência no ensino médio. Uma delas é a conciliação entre o tempo de estudo e a jornada de trabalho. Essa é a realidade de muitos estudantes que hoje estão no ensino médio. Eles têm que trabalhar e estudar”, pondera Herton Ellery de Araújo, técnico de pesquisa e planejamento para a área de educação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A reforma ampliou em 75% a carga horária do aluno em sala de aula, passando de quatro para sete horas diárias, o que provoca um conflito com a carga trabalhista, de 8 horas. Para Araújo há o risco de o Brasil viver uma nova fase de evasão escolar no ensino médio. Ele diz que desde 1991, a presença do aluno entre 15 e 17 anos em sala de aula vem subindo. Naquele ano, 15,7% dos jovens nessa faixa etária estavam em sala de aula. Em 2002 o percentual subiu para 32,8% e em 2015 estava em 47,3%.
O assessor parlamentar, para a área de educação do Deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), Gustavo Moreira Capella, lembra que “o modelo societário que existe no Brasil exige que o garoto se insira no mercado de trabalho ainda jovem. Crianças de escolas nos municípios ou periferias das grandes cidades já pensam em trabalhar. A situação é pior quando se trata do horário noturno”.
Outro desafio levantado no debate, é a concatenação entre a Base Nacional Curricular Comum (CNCC) e os cinco itinerários previstos na lei. “Será necessário fazer o arranjo adequado e trabalhar para que os cinco itinerários sejam realmente implantados em todas as escolas. Isso não é impossível, porque as disciplinas já existem. A questão também não é dinheiro, porque há recursos, mas a organização do sistema educacional do Brasil”, comenta Herton.
A estudante secundarista Sílvia Letícya dias dos Santos, do Levante Popular da Juventude, atribui esse distanciamento entre a vida e a lei ao fato de a reforma ter sido elaborada sem que houvesse um diálogo com os principais protagonistas da questão: alunos e professores. “A MP já foi aprovada e o momento agora é de o governo nos responder a algumas questões: como estudar e trabalhar? Como aplicar a jornada ampliada no ensino noturno? São questões que devem ser sanadas sob o risco da exclusão desses trabalhadores da sala de aula”. Ela diz ainda que a estrutura física das escolas deveria ter sido considerada na elaboração da nova lei. “A realidade do ensino público é a falta de material, cadeiras quebradas e ausência de professor na sala de aula”.
Camillo Bassi, também pesquisador do IPEA, aponta que o custo anual com o aluno hoje chega a R$ 260 bilhões, de acordo com a Lei Orçamentária Anual. Ele reforça que há recursos suficientes para custear a educação, mesmo com a ampliação da jornada. Segundo Bassi, o que falta, em muitos casos, é a melhor gestão desses recursos. Bassi cita o exemplo da cidade de Sobral, no Ceará, que tem pontuação 8,8 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). “A cidade, onde não faltam professores e não há cadeiras quebradas, alcançou esta pontuação gastando um pouco mais da metade do que gasta o Distrito Federal”. Ele aponta que o maior gasto com ensino no Brasil está no DF. “No entanto, o Ideb do DF é pior que o de Goiânia”.
Sobre a qualidade do conteúdo da grade curricular, os pesquisadores do IPEA destacam que a BNCC ainda está em fase de elaboração, por isso, somente depois da sua aprovação será possível medir a qualidade do ensino. “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação já listava como disciplinas obrigatórias a sociologia, filosofia, educação física, artes, português e matemática. O que se sabe, a priori, é que elas, acrescidas do inglês, terão presença compulsória na BNCC e que às comunidades indígenas será assegurada a utilização de suas línguas maternas”, diz Araújo. A definição da BNCC está prevista para meados de 2018, com a implementação iniciando em 2019.
Para Gustavo Capella é “temerária” a aposta no modelo norte-americano, usado na reforma, porque Brasil e Estados Unidos vivem realidade sociais diferentes. “A reforma de ensino tem que pressupor que vivemos em uma sociedade desigual. E a lógica dessa reforma deveria ser erradicar essa desigualdade”, aponta. Para ele, a sociedade brasileira não possui força suficiente para cobrar dos gestores o cumprimento daquilo que prevê a lei. “A perspectiva comunitária nos Estados Unidos é bem diferente do Brasil. Os Estados Unidos possuem uma lógica comunitária que não existe no Brasil. Lá, quando algo não é cumprido na escola, a comunidade tem força para impor a mudança, o que no Brasil não acontece”. Ele também opina que é preciso deixar claro na BNCC o cumprimento dos princípios constitucionais da igualdade e liberdade. “A educação deve possibilitar o cumprimento desse direito fundamental, previsto na Constituição, ensinando sobre igualdade e liberdade. É preciso ensinar o cidadão a ser cidadão. A disciplina de História, por exemplo, deve estar presente na grade curricular comum”, diz.
Sancionada em fevereiro, a Lei do Ensino Médio deve ser implantada em 2019. Até lá, estados e municípios terão que adequar os seus currículos às novas regras e providenciar estrutura para ofertar aos estudantes cada uma das cinco linhas previstas na lei: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica. Como não há na lei dispositivo que obrigue estados e municípios a ofertarem as cinco linhas de ensino previstas, especialistas temem que em locais onde o ensino médio já é fraco e não há recursos, o estudante acabe sem escolha, com os gestores definindo os cursos a serem oferecidos.
A lei estabelece a segmentação de disciplinas de acordo com áreas do conhecimento e a implementação gradual do ensino integral. De acordo com o texto aprovado no Congresso, o currículo será dividido entre conteúdo comum e assuntos específicos de acordo com o itinerário formativo escolhido pelo estudante. Português e Matemática continuam obrigatórios nos três anos do ensino médio, assegurado, às comunidades indígenas, o ensino de línguas maternas. O texto reinclui como disciplinas obrigatórias Artes e Educação Física, que tinham sido excluídas pelo texto original da MP. Entre as línguas estrangeiras, o Espanhol não será mais obrigatório, ao contrário do Inglês, que continua obrigatório a partir do 6º ano do ensino fundamental. Já as disciplinas de Filosofia e Sociologia, que tinham sido excluídas pelo Poder Executivo, passarão a ser obrigatórias apenas na BNCC, assim como Educação Física e Artes.
O Seminário Diálogos em Construção é promovido pelo Observatório Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA uma vez por mês, no Centro Cultural de Brasília.
Edla Lula