VII Roda de Conversa da Campanha da Fraternidade – Relato

VER

Na última sexta, dia 13 de setembro o Centro Cultural de Brasília (CCB) recebeu a VIII Roda de Conversa da Campanha da Fraternidade, que tem como tema Políticas Públicas.

Estiveram presentes representantes de 20 entidades que compõem o Conselho Nacional de Coordenação do OLMA além de aproximadamente outras 35 instituições, entre elas a Universidade Nacional de Brasília (UNB), conselheiros tutelares do DF, Sindicato dos Metroviários, Sindicato dos trabalhadores da Companhia de Saneamento Ambiental, do corpo técnico do senado federal, da Ecoagrovila Renascer, da Cáritas Brasileira, da Comissão de Justiça e Paz, do Movimento Betinho Vive, da Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM), do Movimento pela Educação de Base (MEB), da Associação Nacional de educação Católica (ANEC).

A roda de conversa começou com uma ciranda protagonizada pelos colegas da REPAM refletindo sobre o momento em que vivemos. “Tempo de amor“, “tempo de aquilombar-se“, de “juntar-se“, de “ter persistência“, “de abraçar“, “de beijar“, “de esperançar“, “de ter leveza“, “de sorrir“, “de enfrentamento“, “de lutar“, “de não soltar a mão de ninguém“… foram algumas das palavras dadas pelo grupo em resposta à pergunta: Em que tempo estamos?

Em seguida, Luiz Felipe Lacerda, secretário executivo do OLMA falou sobre os objetivos da Campanha da Fraternidade 2019 e a estratégia operacionalizada através de uma histórica parceria entre MEB, ANEC, OLMA, Caritas, CRB, REPAM, Pastoral do Turismo e Pastoral da Educação em trabalhar o tema de maneira interinstitucional, para além do tempo da quaresma, operacionalizando rodas de conversa sobre o tema em todo o Brasil.

Assim, embasadas na metodologia proposta pelo material de apoio da CF 2019, foram pensadas em 15 cidades do país a realização de tais rodas, seguindo a perspectiva do VER, JULGAR e AGIR.

Em seguida, passando de imediato ao momento do VER, Luiz introduziu a reflexão sobre qual a relação entre República, Democracia e Políticas Públicas, refletindo sobre o papel do Estado e da sociedade civil organizada em cada uma destas dimensões. Avaliando o contexto histórico apresentou e comentou dados sobre avanços e retrocessos nos últimos anos, em relação à qualidade de vida dos brasileiros, frente a atual precarização das políticas públicas.

Avançando sobre as tipologias das políticas públicas e as diferentes correntes teóricas e políticas que buscam estudá-las, comentou a ineficácia dos indicadores vigentes para garantir políticas públicas junto aos povos tradicionais ou á populações específicas. Apontando também a necessidade de criarmos novos referenciais de avaliação e planejamento.

Abrindo para o debate na plenária, Lacerda finaliza sua exposição inicial incitando todos e todas a refletirem sobre a seguinte questão:

E a implementação das políticas públicas, como se dá? Modelos autocráticos, burocráticos ou participativos? Quanto nos envolvemos nos espaços dos conselhos por exemplo, para que a implementação das políticas públicas seja mais efetivo?

 



 

VER/JULGAR…

Pe. Gabrielle (MEB), trouxe o momento do julgar a luz do evangélico, através do tempo e da história da doutrina social da igreja, até o que podemos compreender hoje como Políticas Públicas.

“Somente através de uma paciente conversa é que conseguimos descobrir onde estão os problemas de verdade.”

Além de trazer diversas referências históricas sobre o fazer cristão em sua relação com a participação social na construção de políticas públicas, lembrou também do Papa Pio XI que já em sua encíclica perguntava “Quem poderá nos salvar da ruína que é arrastada pelos princípios do liberalismo?”; entre outras falas comuns como “Ide aos pobres”.

Julgou-se sobre o verdadeiro conceito de ideologia e como ele tem sido pejorativamente empregado hoje,  sobre a militância de Jesus, a opção pelos pobres e o que seria o verdadeiro comunismo cristão, a partilha, a caridade, a comunhão.


Além da fala do Pe. Gabriel, outras falas igualmente importantes foram feitas pelas pessoas que participavam da plenária.

Foi dito, por exemplo, o quanto é importante refletir sobre a regularidade da posse da terra, do uso social da terra e o posicionamento da comunidade cristã.

“A gente dialoga aceitando o que diz a constituição sobre a regularidade da posse de terras quase infinitas? Cabe isso ao cristianismo? Se o cristianismo não colocar em questão a superexploração da terra e das pessoas (escravos modernos), que cristianismo é este?

O bem precisa fazer barulho”.

A plenária lembrou também de como as políticas públicas já seguiram melhores caminhos, quando gestadas a partir das organizações populares e sociais, levando o Estado a encampá-las. E do quanto temos que refletir qual nosso papel, a revelia do Estado que está aí destruindo as políticas públicas.

É importante refletirmos também sobre os desafios postos ao pensemos as políticas públicas. Temos que pensar a sociedade brasileiro dentro de um mundo em plena crise ecológico/climática. Uma sociedade que vive uma desigualdade acelerada que ultrapassa fronteiras nacionais. Temos que ocupar espaços de poder, começar processos de mudanças de mentalidades para nos prepararmos para o que virá.

Neste momento lembramos o retrocesso que vivemos agora em relação ao perigo da reserva Raposa Serra do Sol ser destruída. Os grandes latifundiários entraram nas áreas de reserva permanente, o Ibama multou, os criminosos falaram que se retirariam mas queriam indenização. Pegaram o dinheiro do fundo da Amazônia para isso. Um crime.”

Como um sinal de vida e resistência, é trazida a plenária a lembrada do Sínodo da Amazônia que, como dito, “tem na maneiro como foi conduzido, um sinal de esperança”.

A inércia do povo, a ascensão histórica da classe pobre, o projeto político em voga de destruir todo o campo social organizado e todo o aparato público do Estado e a teologia da prosperidade também foram temas debatidos na síntese entre o VER e o JULGAR.

Perspectivas e Sínteses

  • Foi disto por exemplo que nosso papel enquanto cristãos é ser presença, na rua, estar onde as pessoas estão. Sair das  quatro paredes e ir para os movimentos.

Basta falar do que o Papa Francisco fala e escreve. Isso já tem muito eco no nosso cotidiano. Nossos dirigentes sindicais e lideranças religiosas não estão no dia a dia das pessoas. É preciso estar presente e ser a chama da democracia.

Neste momento foi lembrando pela plenária que a própria Raquel Dogde em discursos reproduziu trechos da Laudado Sí’ do Papa Francisco.

  • Também foi dito que precisamos tirar a confusão da cabeça das pessoas. Precisamos pensar nossa pedagogia, nosso discurso, nossa forma de ser presença no meio do povo.
  • Lembrar também que elegemos um presidente sem debate, sem projeto, sem conhecer. Quem votou nele só sabia que ele tinha um projeto de matança. Ele foi eleito com isso apenas.

Aprofundando este último ponto, foi dito que temos uma geração de pouca leitura, pouco debate, pouca consciência crítica. E que esta roda de conversa é boa e importante, mas é para uma elite eclesial política e institucional, que não chega às comunidades. Foi falado que a nossa metodologia não está chegando lá. “Sem o movimento do pé no chão do povo e da memória não chegamos as consciências, e também ao caminho do coração.”

“Onde o coração da gente pulsa, onde o corpo treme, é isso que faz de fato querermos estar presentes. Quais são os corpos que precisam ocupar os espaços que hoje são dos privilegiados, quais as cabeças baixas que precisam ser levantadas?”

  • Sobre os jovens cristãos foi citado pela plenária, como um dos motivos para não os vermos nas ruas, o fato da doutrina social não ser discutida nas igrejas – “onde só se reza” e “não se lê nada” – como revela opinião de uma das participantes da roda.

Entre outras participações da plenária contamos também com a reflexão sobre o desmonte da seguridade social e do trabalho na conjuntura atual e da situação dos funcionários do metrô no GDF… Um dos funcionários envolvidos na discussão nos trouxe o fato:

Metro é direito social. No GDF estão querendo privatizar dizendo que dá prejuízo, mas metro não é pra dar lucro. Os metroviários estão há 2 meses sem receber salários. Em outros órgãos públicos de funções básicas, tem gente que se suicidou com a proposta da privatização. Temos trabalhadores doentes,  índices de afastamento por doença grandes, e o governo nos coloca como bandidos.

 



AGIR

 

Iniciando a terceira parte metodológica desta Roda de Conversa sobre a Campanha da Fraternidade 2019, para refletirmos sobre o AGIR, os integrantes reuniram-se em pequenos grupos, com o objetivo de debater  e sistematizar  reflexões sobre algumas perguntas provocativas. Segue a síntese:


Caminhos a percorrer

Grupo 1

O Grupo 1 disse que o ponto fundante de sua discussão foi o pós-Sínodo e o que vai acontecer com tudo que foi construído conjuntamente, como será colocado em prática, quem assumirá a luta? E para isso, entre suas proposições estavam:

  • Criar um grupo permanente de animação.
  • Buscar locais pra nos fazermos presentes: sindicatos, movimentos, igrejas, juventude… E trabalhar as questões em andamento em relação aos conselhos tutelares.
  • As escolas precisam aperfeiçoar a sua pedagogia e sempre falar sobre as políticas publicas e sobre o que esta continuamente acontecendo para que os adolescentes queiram vivenciar mais esta luta.
  • Trazer a educação popular de volta.

O Grupo 2

O grupo disse que sua discussão teve como base o processo de escuta – ouvir os gritos. Disse que quando pensamos nas mulheres indígenas, negros e negras, juventude, refugiados… pautamos mais do que ouvimos as suas pautas. E que precisamos ouvir os gritos deste povo. Perceber seu lugar de fala. E reconhecer que a fala mesmo quando é incentivada pode ser travada se dermos o espaço de fala mas não escutarmos verdadeiramente.

Entre as proposições do grupo estavam:

  • A necessidade de se conhecer as comunidades. Conhecer suas realidades e experiências.
  • O desafio da comunicação. Continuamos, mesmo como fenômeno da internet, débeis neste assunto no que se refere a interagir com as pessoas.

Quem nos pauta?

Outro tema interessante tema que surgiu foi: Afinal, quem nos pauta? Foi dito que os atuais governantes é que estão nos pautando. Eles estão pautando os temas pelos quais devemos ir às ruas e não era assim, éramos nós que pautávamos. E ficou a pergunta:

  • Será que vamos ser pautados o tempo todo? Vamos parar de ser pautados. Isso é estratégia deles também. Eles nos pautam.

E porque as pessoas não vão para as ruas?

Sobre a questão que surgiu em momentos anteriores da roda de conversa foi dito no grupo que as pessoas não vão às ruas porque já estão com o gatilho apontado para suas cabeças todos os dias, há tempos. Para elas tanto faz um governo ou outro, mesmo que a vida tenha piorado, já não era bom. Elas já constituíram sua própria estratégias de sobrevivência.

  • O que trazer neste momento é que o governo agora está atacando [explicitamente] também as organizações de sociedade civil, os conselhos, os movimentos sociais… estão nos criminalizando enquanto pessoas da sociedade que pensam juntas.

Lembrando que a juventude e a periferia sempre foi criminalizada – só de falarmos “da periferia” já trazemos a relação do quanto estão a margem “da sociedade”.

Também foi falado sobre o boicote e a desinformação que vem disfarçada de avanço, a exemplo dos títulos de posse que algumas pessoas ligadas a grupos sociais mais vulnerabilizados receberam individualmente no governo Temer, retirando-se o caráter coletivo da terra. Algo que está acontecendo no cenário urbano também e que coletivos sociais já pautavam: nosso foco são as escrituras coletivas. As individualizas só favorecem a especulação imobiliária.

O Lugar de fala

Uma das integrantes do grupo também trouxe a reflexão sobre o lugar de fala a partir de vivências próprias e coletivas:

“Nós mulheres negras, que tipo de lugar de fala estamos vivendo? As mulheres negras na universidade não participam das produções. Nos dizem que já existe muita gente produzindo sobre “vocês”. São “os intelectuais” que estão falando sobre o povo negro. Estas pessoas sim, tem seu lugar de fala concretizado.”

Grupo 3

Entre as proposições do grupo tivemos:

  • Precisamos pensar em estratégias com em um clima de guerrilha.
  • Identificar que outras pessoas tem o poder de influenciar ou agir e já estão atentas às nossas pautas para nos ajudarmos? Isso em todas as esferas. Até no tribunal de contas. Precisamos identificá-las.
  • Incentivar que as pessoas também queiram ocupar estes espaços, especialmente as de periferia.
  • Conselhos de políticas públicas. Devamos ocupar estes espaços e também identificar nestes espaços pessoas com pautas como a nossa e nos unir.
  • Estratégias de comunicação. As vezes falamos para nós mesmos. Precisamos melhorar nossa comunicação para que chegue onde precisamos pra que possamos levar nossa mensagem também e que ela não seja vista com preconceito, mesmo antes de ser ouvida/entendida. Temos que ocupar as rádios comunitárias etc.
  • Precisamos identificar em todos os espaços de direito – sindicatos, fóruns etc – pessoas que defendem nossas pautas.

Grupo 4

Entre as proposições do grupo tivemos:

  • Estimular os vínculos entre os paroquianos. Muitos não participam de pastorais. Pensando que a indiferença é a pior forma de violência.
  • Comunicação. Estabelecer contato com rádios e TVs católicas.
  • Fazer as pessoas entenderem o que são os conselhos, como funcionam, sua importância etc
  • A campanha da fraternidade deveria ter um desafio, por exemplo: Como nós, católicos, vamos contribuir para diminuir a desigualdade social no país?

Neste momento foi dada a sugestão de leitura do livro “Igreja e Transformação” e trazida a informação de que na Rádio Amazônia já é feito o programa “Rádio Cidadania”.

  • Convocar para a causa também cristãos que tenham representatividade como deputados e outros.
  • Que as TVs católicas também façam a autocrítica em relação ao “modelo” que muitas vezes seguem (muito parecido com outras TVs).

Grupo 5

O grupo disse que tomou como base das discussões o “Agir” a partir do sentido de Hannah Arendt, onde o agir tem o momento do pensar. Complementa o grupo:

As políticas públicas que foram implementadas a partir da constituição federal nas áreas da educação, saúde… estão sofrendo – em cima – um movimento de devastação. Primeiro foi a área da assistência social, agora a educação e vai atingir também a saúde.

O grupo vê como caminhos:

  • Buscar como compreender o processo da implantação das políticas públicas – que parece ter sido mais marcada a partir de 2009.
  • Como compreender o processo de quem tem o poder – mercado e capital – e quem realmente está comprometido com estas políticas.

Foi lembrado aqui pelo grupo que entidades representativas das políticas de educação, por exemplo, tiveram certa desatenção quando o desmonte ocorria na área da assistência social.

  • Olhamos o sujeito e não as causas. Temos que exercer a atividade de pensar. Precisamos saber “o movimento das placas tectônicas que causam o tsunami”.

Aqui, diz o grupo, vemos a relação entre cristianismo e sociedade mediado pela igreja. Quando os cristãos se negam a exercer o pensar, dentro do agir, vemos a polarização. Mas polarização não é politização. Politização é o ato de refletir.

 



 

Ao final, logo antes dos encaminhamentos, foram dados alguns informes como sobre a Campanha do Conselho Tutelar, a Campanha do Betinho e o centenário de Paulo Freire.

Estamos na luta sempre, mas perder a doçura jamais.