Projeto Sumaúma

Abaixo, relato simples es cheio de vida, dos integrantes do Kilombo Morada da Paz, que estiveram em atividades do Projeto Sumaúma e da Semana da Mulher, pela nossa UNICAP.


O Projeto Sumaúma é uma idealização da Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mae Preta CoMPaz que tem o Observatório de Justiça socioambiental Luciano Mendes Almeida – OLMA como seu principal parceiro para tornar este projeto possível, com o intuito de desenvolver um diálogo entre as diferentes culturas tradicionais em comunidades de santo, quilombolas, indígenas existentes no Brasil.

O Projeto leva o nome de uma árvo re intercontinental, natural da América do Sul e África, tal árvore pode adquirir uma altura aproximável de 70 metros, suas raízes muito profundas, também um grande manancial armazenador de água.

A CoMPaz irá levar o projeto para diversos cantos do país, através de intercambio, levando suas experiências, sua cultura, seu jeito ser e viver aos povos que encontrar estabelecendo rica troca. Tal processo será dividido em etapas, a primeira já ocorr eu, foi a etapa Pernambuco/Alagoas, onde a CoMPaz visitou as cidades de Recife e Olinda em PE e a cidade de União dos Palmares em AL. O relato abaixo apresenta uma breve narrativa do primeiro circuito.

O primeiro circuito:

Eu (Ayan), Yashodhan e Yamoro saímos de Porto Alegre em direção à Recife no dia 05 de Março, fomos recebidos na residência dos padres coordenadores da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), onde ficaríamos alojados. A UNICAP foi uma de nossas parceiras na nossa ida à Recife, pois ajustamos a data da viajem para podermos participar da 16ª Semana da Mulher , organizada pelo Instituto Humanitas da UNICAP, para qual fomos convidados. E para facilitar a nossa estada, ofereceram – nos um lugar para ficar e comida. Ao conhecer a Universidade, percebemos que apesar de ser uma universidade católica jesuíta, ela é muito aberta para diferentes culturas e tradições, tendo também uma mente muito aberta para novos conhecimentos e debates sobre diferentes crenças.

Assistimos à abertura da Semana da Mulher, onde Adevanir(Deva), uma professora e coordenadora do NEABI da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS) fez uma fala. Conhecemos Deva pois ela estava ficando no mes mo lugar que nós. Lá, conhecemos professora Thula, da PUC – RJ; Irmã Rosário, que nasceu e foi criada no Quilombo Muquém (último remanescente dos quilombos palmarinos); e ainda Elisa Pankararu, uma das lideranças da etnia indíg ena Panckararu. Após a abertura fomos todos, inclusive quem conhecemos lá, para a residência dos padres e conversamos sobre a luta de cada um(a).

À noite, fomos apresentados a uma banca de tapioca, que se tornaria o destino confirm ado de todas as noites, a Barraca de Tia Anjinha.

Nós assistimos a uma sessão comentada do filme Além do Espelho produzido por Ana Flauzina na Fundação Joaquim Nabuco, que trás dois depoimentos de diferentes perspectivas sobre o r acismo, pois um dos entrevistados é brasileiro e o outro americano. Após a sessão, Yashodhan pediu seu asè de fala e introduziu a comunidade e o propósito da nossa estada em Recife, fala que causou emoção nos ouvintes.

A noite realizamos o ipádè (reunião) com os integrantes do Observatório Transdiciplinar das Religiões de Recife e o Olma, então decidimos quem falaria primeiro e o que cada um falaria, eu seria o primeiro, falando um pou co da história da Comunidade, Yamoro em seguida, falando de nossos projetos e Yashodhan por último falando da nação muzunguê. Então, iniciamos o ipádè entoando Ipádè Lonãyie. Pelo tempo que tínhamos, não conseguimos falar tudo o que planejamos, todavia todos adoraram a apresentação.

Fizemos uma visita aos nossos companheiros da Nação Xambá em Olinda, que estiveram no território no Okan Ilu de 2016 representados pelo Grupo Bongar. Quando Guitinho (líder do Grupo Bongar) chegou, ele nos conduziu, contando a história da Nação de Xambá, mostrando-nos também fotos dos anciões e dos membros da Nação. Após a visita ao terreiro, Guitinho nos levou ao Centro Cultural Xambá, onde junto com o Grupo Bongar realizam atividades culturais com crianças, como por exemplo, capoeira e percussão. Mostrou-nos toda a estrutura do Centro e após a visita sentamos todos aos pés do baobá plantado no pátio e conversamos sobre o Terreiro de Chão Batido que seria realizado na quele espaço para reunir toda s as alianças adquiridos durante a viagem para dialogar sobre suas lutas e como podemos combatê-los.

Yashodhan e Yamoro participaram de uma mesa sobre resistência das mulheres indígenas e negras no Brasil na Fundação Joaquim Nabuco, onde Yamoro entoou a oração das mulheres e se emocionou ao fazê – lo. Após a fala ocorreu uma apresentação do grupo de maracatu Cores Sonoras, que tocou maravilhosamente seus baqu es durante uma confraternização, assim encerrando a 16ª Semana da Mulher.

Por intermédio de Irmã Rosário, começamos , junto com Deva, a planejar uma ida ao quilombo Muquém . Procuramos motoristas e conseguimos um uber que faria por um preço razoável de ida e volta, pois o quilombo é na entrada de Alagoas. No dia acordamos bem cedo e Alisson, o motorista, já nos aguardava com o carro . Paramos para descansar e chegamos lá quando ainda era manhã. Chegamos na entrada de União dos Palmares e nos informamos de como chegar ao quilombo. Enquanto íamos adentrando a cidade vimos uma estatua de Zumbi dos Palmares, na qual tiramos fotos, vimos também uma placa que dizia a direção da Serra da Barriga, lugar onde ficava o Quilombo do s Palmares. Quando realmente entramos em Muquém, fomos recebidos por crianças que brincavam em um galpão aberto. Pedimos para que as crianças chamassem suas mães, e nisso encontramos alguém que podia nos levar até a casa de Albertina, que é uma das líderes do quilombo. Quando encontramos ela, explicamos de onde éramos e ela foi até nós. Contamos a história da Comunidade e ela contou a história trágica de Muquém:

Em 2010 , houve uma enchente no meio da noite que destruiu quase todo o quilombo, e com ele todo o registro de sua história. Os moradores do quilombo acordaram no meio de água, não tiveram tempo de salvar nada, só a si mesmos. Muitos moradores ficaram a noite inteira abrigados em cima de uma jaqueira, homens, mulheres, grávidas, crianças e também anciões. Tinha até uma cobra junto deles na jaqueira, e quando amanheceu e eles viram que tinham perdido tudo mas não tinham nenhuma baixa a jaqueira virou uma árvore sagrada. Após esse episódio, o governo deu apoio e construiu casas novas e fora de área de alagamento, mas até hoje tem gente que ainda vive em barracas de lona.

Compramos os produtos feitos com argila pelas artesãs do quilombo. Conhecemos Tânia (artesã), Tauani (tinha 2 anos quando se refugiou na jaqueira), Tauan (estava na barriga de sua mãe quando esta se refugiou na jaqueira ), Arthur (13 anos e toca tambor no grupo de coco) e Irinéia ( 71 anos, a mais velha do quilombo. É patrimônio vivo do estado de Alagoas pela UNESCO). O quilombo tem 832 habitantes, 164 famílias, 122 crianças de 0 a 5 anos e 5 grávidas.

 

Após a despedida de Muquém, começamos a nossa subida pela Serra da Barriga, pois estávamos tão perto do território de Zumbi que não podíamos perder a oportunidade de irmos. Foi uma subida longa e como já passava do meio – dia, todos estavam com fome, então quando avistamos a entrada do quilombo decidimos descer e almoçar em um restaurante pelo qual tínhamos passado, o Restaurante Baobá. O restaurante tinha um espaço lindo, com redes e bancos para confortar os clientes, entretanto o restaurante era exclusivo para grupos que já tinham agendado a visita, e como nós não tínhamos, as atendentes nos deram o cardápio e pediram para esperarmos, pois só poderiam servir quando o grupo que estavam esperando chegasse , nós concordamos e esperamos. Porém quando a espera passou de duas horas, decidimos sair. Pagamos e fomos adentrar o espaço sagrado e ancestral que nos aguardava.

Somente na última subida foi possível ver os portões de Palmares. Tiramos os sapatos na entrada e colocamos os pés em território palmarino, nesse exato momento a emoção tomou conta, nos abraçamos e agradecemos pela oportunidade de estar ali, estar onde a primeira resistência se firmou ; onde fundou – se uma nação onde pessoas de diversos idiomas, tons de pele e origem vieram se abrigar, pois não só negros fugidos moravam em Palmares, mas sim negros, indígenas e brancos que não concordavam com o sistema escravagista; um território maior que Portugal, onde se desenvolveu comércio, não só interno, mas também externo e que durou mais de um século, somente derrubado pela soberania bélica de Portugal. Foi uma experiência renovadora.

Conhecemos a lagoa sagrada dos negros, onde além de ser usada para banho era onde eram feitas as armas, as estratégias e até os partos. Conhecemos a gameleira sagrada, onde recolhemos do chão uma folha para cada morador da comunidade , vimos a representação de ocas indígenas , postos de vigia, etc. Cada mirante era representando uma parte do dia da queda palmares. Ainda achamos uma casa que vendia tapioca, então satisfizemos nossa fome. Saímos de Palmares realizados e plenos.

Quando chegamos em Olinda para o terreiro ainda e ra dia, então começamos a organizar um circulo de cadeiras para o evento. Iniciamos na lotação máxima de pessoas e entoamos Ipadê Lonaye. Foram colocados tópicos, quem sou?; qual a minha luta? e maneiras de resistir;. O asè de fala foi passando de um em um da roda e após a fala de todos, fizemos uma dinâmica de encerramento . Fizemos a brincadeira o carteiro – uma das brincadeiras que se faz no território – onde cada integrante da roda vai ao meio da roda e canta uma música ou diz uma palavra de força, e para encerrar mesmo, fizemos o galo macuco. Guitinho ofereceu a todos, uma comida sagrada da Nação Xambá, como confraternização.

No dia 12 de Março, nos despedimos e retornamos à Porto Alegre para a Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta CoMPaz com a mochila cheia de novos aprendizados e um sorriso no rosto , assim encerrando a primeira etapa.

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